Nascido em Vila do Conde, numa família sem recursos, Carlos Oliveira admite que “subiu a pulso”, a custo de muito sacrifício e determinação. “Os meus pais trabalhavam numa fábrica têxtil, que acabou por falir, e eu prometi a mim mesmo que não voltava à minha vida antiga”.
Nos tempos de juventude, a bicicleta era sua aliada nos trajetos entre a casa e a escola, em Póvoa de Varzim, onde se inscreveu no curso comercial com propinas pagas devido ao bom aproveitamento escolar. Mas não esquece as noites frias de inverno em que tinha de cruzar os dois concelhos exposto às adversidades da natureza. “No inverno custava...”.
De “rapaz pobre” a profissional consagrado distam décadas de trabalho, estudo e mudanças de rumo imprevisíveis. A primeira ao alistar-se na Marinha Portuguesa, depois de deixar a empresa onde trabalhava como contabilista no início da carreira.
Mudou-se para Lisboa e sentiu então que se “abriu um mundo pela frente”. Começou como telegrafista, na marinha, mas optou por um investimento a longo prazo que o apaixonaria para o resto da vida: a enfermagem.
A primeira década foi passada no mar ao largo da costa portuguesa, Guiné, Cabo Verde, Angola e Moçambique, onde aprendeu a viver em navios, “autênticas cidades a bordo”. Os desafios sucederam-se para o jovem enfermeiro em início de carreira. Quinze dias depois de se graduar, foi designado para trabalhar num navio patrulha com 100 pessoas, onde ficou responsável pela saúde da tripulação. “Não havia médico e eu tinha de fazer tudo”, recorda.
Apesar da população a bordo ser jovem e saudável, registavam-se muitos acidentes de trabalho que exigiam acompanhamento e tratamento imediato. “Isto deu-me grande experiência, foi uma boa escola”.
Em terra ficava a “moça, que ainda hoje é sua mulher” e a filha acabada de nascer. “Custava ficar longe”, mas era preciso “juntar dinheiro” e o salário não chegava para tudo. O regresso definitivo aconteceu em 1981, quando integrou a equipa do Hospital de Vila do Conde.
A ligação à Misericórdia surge anos mais tarde (1989), a convite do provedor Arlindo Maia. Era necessário um enfermeiro para cuidar dos primeiros idosos da estrutura residencial recém-inaugurada, mas em poucos anos a atividade ampliou-se por várias respostas sociais [lar de grandes dependentes, centro de deficientes da Touguinha], exigindo um acompanhamento de maior proximidade.
Em 2004, o provedor lança-lhe um novo desafio: montar uma unidade de saúde de raiz, com serviço de internamento e bloco operatório. Uma oportunidade irrecusável que abraçou com empenho. “Foi um grande desafio porque era preciso dimensionar salas, apetrechar tudo com equipamento de qualidade, contratar e orientar enfermeiros”.
Desta fase, que considera de “enorme crescimento”, guarda as melhores recordações, seja pela aprendizagem, espírito de partilha e camaradagem. “Foi um período fantástico, foi muito bom ensinar aquela gente toda, hoje temos uma equipa excecional, alguns desse tempo”.
Dentro da sala de operações, todos sabiam o que fazer, apesar do elevado número de “missões”. O planeamento assegurava que nada faltava numa situação de emergência. Neste “mundo fechado”, onde ficavam por vezes confinados mais de 10 horas, todos estavam aptos a realizar “todo o tipo de cirurgias”, num ambiente de confiança mútua.
No início de 2021 foi agraciado com uma medalha de ouro pelo contributo na criação e evolução de muitas respostas sociais e serviços de saúde na instituição. A despedida, contudo, não foi definitiva. Além de integrar os órgãos sociais, continua a regressar uma vez por semana para “matar saudades” do bloco operatório. E todos o recebem como se nunca tivesse partido.
Medalha por 30 anos de serviço
Carlos Oliveira foi condecorado no início de 2021 com uma medalha de ouro pelo serviço prestado à Misericórdia de Vila do Conde, ao longo de três décadas. O enfermeiro foi testemunha e agente ativo na criação e evolução de muitas respostas sociais e serviços de saúde na instituição, como o lar de idosos, lar de grandes dependentes, centro de deficientes da Touguinha, unidade de saúde e unidade de cuidados continuados.
‘Seria impossível sem eles’
O enfermeiro reconhece a importância dos parceiros de vida e de profissão que se cruzaram no seu caminho, ao longo de mais de três décadas. “Não podemos fazer este caminho sozinhos, este percurso seria impossível sem eles”, agradeceu referindo-se ao provedor Arlindo Maia, com quem “trabalhou de perto” e à diretora geral Conceição Antunes, “pessoa fantástica de grande visão”.
Voz das Misericórdias, Ana Cargaleiro de Freitas