Um acaso levou Sandra Ventura a fotografar idosos e a paixão por estes rostos sulcados de rugas fê-la abraçar um novo rumo em 2013, dedicando-se a retratar pessoas que residem em lares.

Recuando à infância, a ribatejana desvenda a origem deste amor fecundo pelos anciãos. Nascida em 1977, foi criada pelos tios em Porto Alto, concelho de Benavente, numa casa onde sempre abundou o respeito pelos mais velhos. “Fui criada com pessoas velhas à minha volta e acompanhei a forma como sempre foram bem tratadas. Isso foi uma grande referência para mim, pelo exemplo que me transmitiram, e moldou a minha personalidade”, recorda.

A primeira vez que pegou numa máquina tinha 20 anos. Tinha um “bom olho para a composição, mas não dominava a técnica”. Essa lacuna foi colmatada, em 2006, num curso na Oficina da Imagem, enquanto prosseguia a carreira registando casamentos e outros eventos com o ex-marido.

A fotografia de idosos surgiu após o divórcio, por recomendação da irmã, que é assistente social num lar. E de imediato ficou rendida a este nicho de mercado. “Era como estar em casa. Sou extremamente feliz a conversar com eles”, confidencia.

Nesta interação, a maior surpresa que encontrou foi a solidão. Dos que vivem nos lares, sem receber visitas da família, e dos que passam tardes à janela aguardando um rosto conhecido. Foi assim, em Mértola, onde andou de “terra em terra” a fotografar 92 idosos que participam no projeto da Ludoteca Itinerante da Santa Casa. E em tantas outras realidades que já conheceu pela sua lente. Dois anos depois de percorrer essas aldeias despovoadas, em 2022, continua bem presente a visão do “senhor das abelhas que vive num monte sozinho com o cão e do senhor que passava tardes inteiras, ansioso, à espera das senhoras da ludoteca”.

Nos últimos anos, esteve em todos os distritos, à exceção das ilhas, a fotografar idosos e as suas famílias, e confrontou-se com um país que não está preparado para os velhos, seja por “falta de recursos”, seja pela perceção que a sociedade tem da velhice.

Apesar da logística e custos pesados, Sandra resiste contra todas as adversidades, nesta demanda pela dignidade dos idosos. “Eu espero que algumas pessoas mudem a sua perceção sobre a velhice depois de verem uma fotografia minha. Durante a pandemia, comecei a mostrar fotos de pais e filhos e avós e netos, nas redes sociais, e percebi que devia envolver mais as famílias porque muitos agradeciam por ser uma forma de os manter sempre vivos”.

Nos bastidores, Sandra investe tempo na preparação de cada retrato. “Levamos maquilhagem, luzes e cenário, como acontece no estúdio, e temos atenção à roupa e outros detalhes. Aborreço-me quando vejo camisas sem botões ou gastas nas mangas”, partilha. Sem pudor ou artifícios, cria proximidade com o retratado através do toque e do diálogo, procurando iluminar a essência de cada um. “Cuido da pessoa como se fosse à missa ou ao casamento da neta. Acho genuinamente que são bonitos e gosto das suas rugas”.

A fotografia de Sandra Ventura é uma reverência ao idoso na forma como valoriza a sua identidade individual, mas, também, coletiva, enquanto grupo etário pleno de direitos, numa sociedade que valoriza sobretudo a infância. “É cultural, vendemos três vezes mais numa escola. Compram tudo”.

Pelo contrário, num lar nem todas as famílias adquirem fotografias. Nalguns casos a encomenda chega aquando da morte com o objetivo de colocar “foto na campa”, lamenta. Felizmente, há também histórias felizes de “filhos que fazem tudo por eles, sofrem por ter de os colocar num lar e vêm de França, de propósito, para tirar a fotografia”. Apesar do esforço físico e financeiro, que envolvem as deslocações “com a casa às costas”, Sandra admite que não desiste por “causa destes filhos e netos que veem neste trabalho uma forma de os manter vivos”.

Voz das Misericórdias, Ana Cargaleiro de Freitas