Alfredo Augusto Castanheira Pinto é o rosto do decano dos provedores portugueses

São mais de oito décadas de vida, muita obra feita em prol da solidariedade, reconhecimentos públicos e, ainda assim, Alfredo Castanheira Pinto, o decano dos provedores portugueses, não se escuda em estatutos ou imodéstia. “Um provedor deve ser humano para toda a gente, quer funcionários, quer utentes”, defende.

O sol vespertino recai sobre a Misericórdia de Macedo de Cavaleiros, instituição que lidera há 48 anos. “A assembleia foi sempre unânime em dizer que precisavam que eu continuasse à frente da Misericórdia. Como nunca apareceu nenhuma lista, fui sempre reconduzido até chegar a esta altura. Agora, tenho de aguentar.”

Castanheira Pinto é o homem por detrás de uma das maiores Misericórdias do distrito de Bragança, mas, ainda assim, insiste numa voz pausada: “gostava, primeiro, de fazer a minha apresentação. Nasci a 13 de maio de 1936 numa pequena aldeia. Considero-me natural de Vinhais pelo nascimento, de Bragança onde aprendi a ler e a escrever e de Macedo de Cavaleiros, onde casei há 60 anos.”

Nas mãos enrugadas, segura o seu currículo, esmiuçando 84 anos de vida em 13 páginas. A formação literária resume-se a uma linha – curso complementar dos liceus – e bastou-lhe para trilhar um percurso comprometido com a causa social. “Comecei a minha vida profissional como aspirante da secretaria do Liceu Nacional de Beja, numa altura em que os empregos eram muito raros. Depois, saí da função pública e vim para Macedo onde trabalhei numa empresa de serração de madeiras e construção civil durante 10 anos.”

Acabaria por vencer o concurso para chefe administrativo dos serviços municipalizados, acumulando com a provedoria da Santa Casa. Sobre o tampo da mesa do seu gabinete, repousa a ata da tomada de posse, datada de dezembro de 1972. “A única valência que a Misericórdia tinha era o hospital, portanto, comecei a administrá-lo.”

Sob a sua égide, o hospital foi nacionalizado. A partir de 1988, foi nomeado administrador do hospital distrital: “fiz quatro mandatos com ministros de diferentes partidos”. A sua escolha era consensual, apesar de ser um dos poucos diretores que não era licenciado. “Toda a gente conhecia o meu trabalho e confiavam em mim”, frisa.

Alfredo Castanheira Pinto fez nascer um lar na cidade macedense e outro na aldeia do Lombo. A ideia deste último surgiu de uma conversa com o padre Vítor Melícias, após uma assembleia geral das Misericórdias. “Perguntou-me se não queria fazer um lar e eu respondi logo, senão perdia a oportunidade.”

Em 2019, foi reeleito e não tardou a concretizar uma das prioridades: a remodelação do lar de Macedo de Cavaleiros. “Temos a obra a andar e deverá estar concluída no início de 2022”, adianta. A Misericórdia apoia 138 utentes em lar, 109 em apoio domiciliário, 10 em centro de dia e 22 em cantina social. Mas o contexto pandémico veio agravar as dificuldades: “apareceu mais gente a pedir de comer e de vestir e, também, a pedir empregos”. Dar de comer a quem tem fome é, por isso, a obra de misericórdia que mais o preocupa porque, “apesar das cantinas sociais e da distribuição de cabazes mensais, as pessoas não têm a coragem de dizer que têm fome”.

É o provedor mais antigo em funções no País e não imagina outro modo de vida. “Tenho a impressão que, quando me reformei em 1999, se não tivesse vindo a tempo inteiro para a Misericórdia já teria morrido, porque uma pessoa tem de trabalhar.” E a longevidade no cargo deve-se, sobretudo, à proximidade dentro de portas. “Gostei sempre de tratar bem os funcionários. Tenho muito carinho por todos e também sou muito querido por eles.”

Acorda às 7h e as manhãs são dedicadas “à voltinha” pelas quintas, de onde trazem os produtos para a mesa: “90% daquilo que consumimos é produzido por nós”. Contam-se “pelos dedos das mãos” as vezes que almoçou na instituição, mas Castanheira Pinto não abdica de fazer um controlo de qualidade à boca do fogão. “Gosto de ir provar a comida para saber como é que vai para o apoio. Isso faço-o sempre que posso.” De tarde, visita os utentes e vem para o gabinete trabalhar: “há 21 anos, que venho para aqui sem receber um único tostão e posso dizer que estou contente. Sou o primeiro a entrar e o último a sair”.

Percurso com muitos galardões

Nas últimas décadas, Castanheira Pinto somou louvores, medalhas, menções e foi até agraciado com o grau de Comendador da Ordem de Mérito pelo então Presidente da República, Cavaco Silva, em 2015. “Esse reconhecimento significou muito, mas todos aqueles que trabalharam comigo são sócios dessa distinção, porque se não fosse o trabalho dos meus colaboradores, eu não podia fazer nada”. A UMP atribuiu-lhe, em 2007, a Medalha de Mérito e Dedicação.

Família foi ‘sempre a última’

Alfredo Castanheira Pinto é pai de “quatro rapazes”, que lhe deram oito netos e uma bisneta. A dedicação à comunidade subtraiu-lhe tempo à vida privada. “A minha família foi muito sacrificada ao longo do tempo, ainda hoje é”, confidencia. Por isso, fica-lhe a gratidão à esposa que “teve o trabalho todo para educar os quatro rapazes. A família é sempre a última, porque primeiro está isto tudo e a minha mulher habituou-se bem a este princípio”, conclui.

Voz das Misericórdias, Patrícia Posse