Ao longo da sua história, a Misericórdia de Pernes tem promovido a publicação de livros para registar e perpetuar no tempo uma identidade institucional e comunitária, preservando a história e a memória dos que para ela contribuíram. Nestas publicações, poderão encontrar-se desde monografias até registos de histórias de vida, de factos, de temas, de profissões, entre muitas outras abordagens de utentes desta Misericórdia ou das suas estruturas e património. Um destes livros tem a particularidade de recolher o olhar único de Lúcio Caldeira, o 'Poeta das Imagens', que aos 81 anos de vida não consegue estar um dia sem fotografar.
A fotografia cruza-se com a sua própria vida: foi aos 15 anos que, na AFARI, uma loja da Rua Augusta, em Lisboa, comprou a sua primeira máquina fotográfica. Custou-lhe 220 escudos, que pagou, do seu bolso, em dez prestações, com o dinheiro que ganhava no primeiro emprego, no antigo Banco Espírito Santo (BES), onde fez carreira como tesoureiro e prospetor.
Natural de Alcanena, Lúcio Caldeira foi criado pelos avós maternos numa quinta no Paço do Lumiar, pertencente a Azeredo Perdigão, ex-presidente da Fundação Calouste Gulbenkian.
Foi aí que o gosto pela fotografia e pela natureza se encontraram. “Passava a vida a tirar fotografias. Eu era miúdo e conhecia muito bem aquela zona. E foi nessa altura que começou o meu fascínio pela natureza, em particular pelos pássaros”, recordou.
Mais tarde, e já depois de ter casado e de se ter estabelecido em Santarém, comprou uma outra máquina, uma Canon “semiprofissional”, que um cliente do banco, piloto da TAP, lhe trouxe dos Estados Unidos.
“Comprei-a por 470 dólares. Ia pondo, aos poucos, algum dinheiro de lado para comprar os dólares. Já era uma máquina que dava para fazer outras coisas”, disse.
Desde então Lúcio Caldeira intensificou o seu gosto pela “captura de momentos”, ficando com eles para sempre. Foi investindo em novas máquinas e lentes. Hoje, encomenda-as da China. “Demoram dois meses a chegar, mas compensa em termos de custos”, confidencia, enquanto mostra a sua última aquisição, uma “lente luminosa, indicada para retratos”.
“Cada vez que estou a fazer uma fotografia, deixo um pedaço de mim. Estou a fotografar e estou a sentir aquilo que estou a fazer. Não fotografo no modo automático. Eu vivo o momento, cada disparo do obturador, como se fosse uma criança, porque fico inquieto para chegar a casa e passar as fotografias para o computador e ver como é que ficaram”, confessou-nos.
No computador, passa, depois, horas a ‘retocar’ imagens, a tirar-lhes as imperfeições, a corrigir o brilho, a ajustar contrastes. “Para mim, fotografar é viver. Não sou capaz de estar um dia sem fotografar. Todos os dias fotografo, nem que seja em casa”, afirmou Lúcio Caldeira que mora atualmente numa residência assistida do Complexo da Quinta da Torre da Misericórdia de Pernes.
Lúcio Caldeira já obteve vários prémios e, inclusive, viu publicado, na revista Visão, um dos seus trabalhos, escolhido de entre as centenas de fotografias que possui na galeria do site ‘Olhares’, onde marca presença desde 2007.
“Eu coloco lá as fotografias mais para partilhar do que propriamente para alcançar notoriedade. Não ando à caça de votos. No entanto, já tenho mais de uma centena de fotografias em Galeria Pública”, diz, com orgulho.
Confessando-se “orgulhoso, satisfeito e recompensado” por ter sido dado este destaque ao seu trabalho, Lúcio Caldeira não se sente, no entanto, um fotógrafo profissional, mas sim “um simples amador que vive a fotografia com paixão”.
“Nunca tirei nenhum curso de fotografia. Aquilo que sei vem de experimentar e da leitura de livros e artigos da especialidade. Sou um autodidata”, diz, com um sorriso rasgado e sincero.
Lúcio Caldeira gosta de “acompanhar o espírito dos tempos” e, por isso, partilha o seu trabalho na rede social Facebook, onde constam mais de 800 registos fotográficos, que “são muito comentados e elogiados”.
Dos “milhares de fotografias” que já tirou, Lúcio Caldeira não consegue eleger aquela que mais gosta e cita, a este propósito, Henri Cartier-Bresson, um dos fotógrafos que admira: "A minha melhor fotografia é aquela que eu vou tirar amanhã".
Chegar ao coração das pessoas
Além da paixão pela fotografia, Lúcio Caldeira revela ainda um fascínio pela poesia. Tanto que cada foto que coloca no 'Olhares' é acompanhada de um poema. “Uma das utilizadoras da galeria online chegou a contactar-me para me dizer: Lúcio, sei que os poemas que escreve não são para mim, mas qualquer mulher os pode interpretar como seus", confidenciou. “Eu senti que, com o meu trabalho, consigo chegar ao coração das pessoas”.
Valorizar fotografias com livro
A Misericórdia de Pernes tem apostado na valorização do trabalho de Lúcio Caldeira. Além de publicar as fotografias no livro “Um ponto de vista sobre a vida”, editado em 2018 por ocasião do 431º aniversário da instituição, a Santa Casa organizou uma mostra permanente, composta por 70 fotografias, no lar de grandes dependentes aquando da remodelação do espaço. O ponto de partida para a exposição foi a fotografia publicada na revista Visão.
Voz das Misericórdias, Filipe Mendes