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- Sabugal | Idosos rendidos ao cão que estimula leitura e conversa
“Em cada sessão trazemos um exercício diferente”, revelou a fundadora desta iniciativa que pretende contribuir para um envelhecimento intelectualmente ativo. À chegada, Beatriz mudou o arnês de identificação do cão de intervenções por um outro pejado de adágios populares. “Escolhi expressões idiomáticas só com referência a animais que cada um dos idosos pode retirar do dorso do Ruca para, a partir daí, iniciarmos uma troca de impressões”, explicou com um sorriso que também contagia os seus interlocutores.
“Tire lá um papelinho e leia”, desafia Beatriz Sousa. “Ter macaquinhos no sótão o que quer dizer?”, perguntou a Deolinda Salzedas: “Quer dizer que alguém tem coisas na cabeça que não correspondem à realidade”, respondeu a idosa confiante numa resposta certa. “Isso mesmo”, anuiu, deixando que o cão fosse afagado pela idosa e esta expressasse ternura pelo animal.
E a viagem cultural continua. “Ele morde?”, pergunta, retoricamente, Ana Augusta Martins. “Eu também tive um cão e era um cãozinho bom como este”, acabaria por dizer. “Não tenha medo”, sossegou Leonor Aldino, animadora sociocultural. “Escolha um papelinho, pode ser?”, repetiu. E a mulher, aparentemente satisfeita por recolher tanta atenção, obedeceu. “Amigo da onça, o que significa, sabe?”. Sabia. “Não é grande coisa”, respondeu a utente com sentido de humor. O mesmo que já tinha manifestado quando lhe perguntaram a idade. “Tanta que já nem me lembro”, atirou, desencadeando a risada geral.
Entre os utentes há quem não saiba ler ou já não possa verbalizar, pelo que, nesses casos, os idosos são convidados a escovar o cão ou, simplesmente, a fazer-lhe festas.
HÁBITOS DE LEITURA PARA TODOS
Não sendo inédito no país, o projeto que nasceu no concelho, em janeiro do ano passado, pela mão de Beatriz Sousa, chegou à instituição em julho e, segundo o provedor, está para ficar. “Atualmente temos sessões dirigidas aos 52 utentes da ERPI [estrutura residencial para pessoas idosas], do ensino pré-escolar e primeiro ciclo, mas queremos alargar às 22 pessoas do apoio domiciliário”, referiu César Cruz.
Sociólogo de profissão, funcionário da Santa Casa, não só assumiu recentemente o lugar de provedor, como abriu a porta à ideia que, a seu ver, está a revolucionar os hábitos de leitura de novos e velhos. “Com pequenos gestos, os seniores ajudam-se no combate à demência e as crianças também treinam a atenção”, explicou.
LÍNGUAS, LITERATURA E TERAPIAS
Pese embora seja licenciada em línguas e literatura e tenha trabalhado na tradução técnica e na área de recursos humanos numa multinacional, Beatriz Sousa parece agradecida ao que chama de reconversão profissional. “Tenho um ateliê de leitura para crianças, mas como, entretanto, fiz o curso de terapia assistida por animais no ISPA [Instituto Universitário de Ciências Psicológicas, Sociais e da Vida], juntei as duas coisas”, contou Beatriz resumindo o percurso de quem nasceu em França, mas tem raízes familiares na freguesia de Santo Estevão, concelho de Sabugal, onde reside.
“Já trabalhei com pessoas com deficiência, mas agora dedico-me essencialmente às crianças e aos idosos”, precisou a técnica que possui cinco cães, um deles treinado para as intervenções. “Foi preciso familiarizá-lo com os elevadores, com as cadeiras de rodas e até com os andarilhos, mas agora está em casa”, recordou, confirmando trabalhar com um cão muito dócil e que adora pessoas. “Aliás, o Ruca está treinado até para lidar com acamados, subindo de forma delicada para cima da cama”, sublinhou também. E o mais gratificante é assistir à reação dos idosos na presença de um animal. “É bonito e emocionante”, concluiu.
Voz das Misericórdias, Madalena Teixeira