Passam pouco das três da tarde. Sol a pique e termómetro a marcar temperatura alta. Começam a concentrar-se, na Rua do Passal, os carros e os participantes do cortejo das oferendas. Vestidos à época, com trajes e utensílios agrícolas, reina a boa disposição. Carlos Santiago, provedor da Misericórdia de Sangalhos, sobe e desce sem parar, empenhado para que tudo corra pelo melhor.
Cerca de uma hora depois, o primeiro carro da fila arranca. Ao todo são 16, todos com oferendas, decorados a rigor e com a originalidade de cada lugar, aos quais se juntaram os clássicos e as singulares bicicletas pasteleiras. São mais de 200 os participantes. Crianças, jovens e adultos. Outros tantos encontramos nas bermas e nos passeios das ruas por onde passa o cortejo. A filmar, fotografar ou simplesmente a recordar. Acenam e cumprimentam amigos e familiares que participam. Reconhecem as suas próprias oferendas e, acima de tudo, enaltecem o espírito de solidariedade. “Parabéns e obrigado”, ouvimos.
Os preparativos começaram em maio. Desde então sucederam-se as reuniões. O provedor Carlos Santiago recorda-nos que tudo começou “com quatro elementos e terminou com uma equipa de 40”. Porta à porta fizeram peditórios. Apesar das dificuldades que atravessam as famílias, o provedor reconhece o esforço que todos fizeram para colaborar. “Os tempos de hoje são mais difíceis. Antigamente, cada um tinha a sua horta e os seus animais em casa. Era mais fácil oferecerem bens do seu próprio cultivo”, lembra.
Mesmo assim, foi “gratificante” ver tudo aquilo que foi angariado em prol da Santa Casa de Sangalhos. Das batatas às cebolas, as abóboras, as frutas e os legumes. Tratores carregados de lenha. Os bens serão consumidos pela instituição, e outros foram leiloados. A receita reverteu na totalidade para a Misericórdia de Sangalhos. Carlos Santiago percebeu que, no leilão, as “tradicionais disputas não aconteceram, porque não há muito dinheiro nas famílias”, mas o importante foi “esta demonstração de confiança por parte da comunidade”. “Podemos dizer que superou as nossas expectativas”, releva o provedor.
Ainda de acordo com Carlos Santiago, com a pandemia de Covid-19, algumas atividades tiveram de ser interrompidas. Algumas já foram retomadas, outras ainda não ressuscitaram. O cortejo das oferendas foi uma das que viu nova luz em 2023. Repetir anualmente é uma hipótese, mas o provedor acredita que o melhor será a realização de dois em dois anos. “Se fizermos todos os anos é um peso grande para as famílias e acaba por se tornar repetitivo. Talvez possamos vir a organizar este cortejo de dois em dois anos”, avança.
Por ora, em 2023, a data ficou ainda marcada pelo regresso do Rancho Folclórico Botões de Rosa. Desativado há algum tempo, a coletividade acedeu ao convite da Misericórdia e cedeu todo o seu espólio à instituição, passando a fazer parte, doravante, da sua estrutura. “O rancho folclórico é agora parte da nossa família. Em breve vamos reunir para ensaios, acolher novos elementos e começar a preparação para pisarmos os palcos. A pequena apresentação que fizeram no cortejo das oferendas marcou o seu regresso”, congratula-se o provedor. “Quando as pessoas querem, as pessoas fazem”, conclui Carlos Santiago.
Voz das Misericórdias, Vera Campos