A exposição ‘Cortejo das oferendas – Misericórdia de Seia’ esteve patente ao público, durante um mês, no Posto de Turismo de Seia. A mostra vai já na terceira edição e tem ganho novos dados, devido ao interesse dos habitantes de Seia sobre o tema. O próximo passo é recolher os testemunhos vivos dos senenses e, quem sabe, fazer a recriação histórica do dia das oferendas na vila.

Chegavam a Seia todos engalanados, em carros identificados com o nome das aldeias de onde vinham, e traziam tudo o que a terra dava: feijão, batatas, cebolas, grão, cereais, avelãs, nozes, castanhas, azeite, vinho e lenha, porque o inverno na Serra da Estrela é rigoroso e era preciso assegurar o aquecimento do hospital da Misericórdia, a quem eram destinadas todas as oferendas.

As famílias mais abastadas davam dinheiro. “As meninas e os meninos iam vestidos com calça, ou saia, uma camisa branca, com uma faixa e uma cana, em que no topo estava enroladinha uma nota”, explica Rita Saraiva, diretora do Museu da Misericórdia de Seia.

Juntavam-se à entrada da vila e seguiam em cortejo, passando pelos Paços dos Concelho, onde a banda filarmónica os recebia “com entusiasmo”, passavam pelo largo da Misericórdia até ao hospital, onde se realizam os discursos e era feita a receção. O cortejo acabava por ser um dia de festa na vila e também uma manifestação cultural.

Na exposição, veem-se fotos do dia do cortejo com a participação “das crianças da catequese, dos escuteiros, dos caretos”, cartazes e anúncios da época. “Este é de 1943, a apelar ao sentimento altruísta dos senenses e à participação no cortejo”, conta a diretora. Segundo Rita Saraiva, o cortejo das oferendas começou a realizar-se após os anos 40 do século XX. Antes, era feito um peditório junto da população.

O documento mais antigo da mostra data de 1880, onde é descrita, com uma bonita caligrafia da época, toda a relação dos pertences do primeiro hospital da Misericórdia, cuja fotografia também se encontra na exposição e onde havia uma hospitaleira que era paga em alqueires de centeio ou de milho.

Na relação de pertences é descrito o número de pratos, malgas, talheres, utensílios, loiça, roupas, mobiliário como “uma arca também já muito velha”, tal como o hospital, que acabou por ser vendido em hasta pública e cujos fundos reverteram para a construção do novo hospital da Misericórdia de Seia.

Uma foto datada de 1920 mostra as fundações do hospital, uma instalação, as plantas originais do hospital que seria concluído em 1928, como atestam as fotos das vistas nascente e poente do edifício, muito ao estilo dos sanatórios da altura, tirando partido das condições proporcionadas pela Serra da Estrela.

Em 1929 foi inaugurado. A sala de cirurgia, de desinfeção e as enfermarias também são visíveis através de fotos e de uma curta metragem, mostrada à entrada da exposição e que revela o que era o hospital da Misericórdia de Seia, por dentro e por fora. À época, recorda Rita Saraiva, já tinha especialidades como obstetrícia, oftalmologia ou otorrinolaringologia.

Um hospital que acarretava muitas despesas à Misericórdia que, no dia das oferendas, juntava o contributo da população ao contributo do Estado e da autarquia local.

Além da preciosa ajuda, este dia era também uma demonstração popular de carinho dos senenses para com o hospital e a Misericórdia. O que acontecia um pouco por todo o país.

Foi num encontro sobre o património das Misericórdias que Rita Saraiva despertou para o tema. “Quase todos os colegas falavam dessa atividade”, lembra. Um dia, a pesquisar documentos para outra exposição, encontrou os cartazes que publicitavam o cortejo das oferendas de Seia.

Surge, assim, a primeira exposição, no Museu da Misericórdia que atraiu o interesse dos populares. “Vários habitantes de Seia que visitaram a primeira [mostra] disseram que tinham documentos, novos dados, novos contributos que fizeram esta exposição no Posto de Turismo de Seia, com todo o historial do cortejo das oferendas.”

O próximo passo deste trabalho de preservação da memória é a recolha dos testemunhos orais dos senenses sobre o cortejo e, quem sabe, a realização de uma recriação histórica do cortejo em ‘terras de Cêa’, como é escrito o nome da cidade no mais antigo documento da exposição.

Voz das Misericórdias, Paula Brito