A Santa Casa da Misericórdia de Soure organizou o seu XX Festival de Folclore, inserido nas Festas de São Tiago e na Mega Esplanada 2019. Incluído num programa diversificado em que a população local e os forasteiros partilharam afetos, pratos regionais e artesanato, o festival teve a participação dos ranchos folclóricos de S. Guilherme (de Leiria – Alta Estremadura), Lavadeiras da Trofa (Douro Litoral), Típico Sambrasense (de São Brás de Alportel – Algarve) e também o rancho folclórico da Misericórdia anfitriã.
O rancho folclórico da Misericórdia de Soure foi fundado em 15 de maio de 1995, conta com 62 elementos (desde a adolescência até uma idade praticamente octogenária) e é membro aderente da Federação do Folclore Português (FFP). A reconstituição dos trajes antigos (que implica um demorado processo de avaliação histórica e etnográfica) recupera a memória da vida de trabalho e comunitária das gerações passadas, a exemplo do cavador, da lavadeira, da ceifeira ou do moleiro, com os seus utensílios e alfaias, sem esquecer os vestuários de cerimónia, “de ver a Deus” e de romaria.
“Antes, a tradição que havia era a de grupos espontâneos de danças e cantares. Nas décadas de 30 e 40 do século passado, os dois ranchos existentes eram, sobretudo, grupos de marchas”, observa o provedor da Misericórdia de Soure, um dos principais impulsionadores do rancho folclórico. “Então, começámos a pensar que a parte cultural era muito importante. Demos início a um grupo de danças e cantares tradicionais, com gente essencialmente sénior e com alguma autonomia”, declara Manuel Martins ao VM.
“Estes seniores são utentes da Santa Casa e, cruzando com o nosso pessoal, consegue-se fazer coisas ainda muito engraçadas. A comunidade local também participa através do centro de convívio, ao qual estão ligadas muitas pessoas”, refere o provedor, dando conta da aposta, por parte da Misericórdia de Soure, nas escolas de música e de dança. “Nós temos igualmente danças modernas e cerca de 80 crianças a dançar hip-hop”, informou Manuel Martins, sublinhando ainda a vertente intergeracional a nível do folclore.
“Nós temos um potencial humano que, em cada ano que passa, mais se vai perdendo”, argumenta o provedor. Para o responsável desta instituição fundada em 1520 e “virada para as camadas sociais mais desprotegidas” (com três centenas de utentes, nas valências de lar, apoio domiciliário, centro de dia e centro de convívio), a memória coletiva é inestimável. “Não só [no contexto] musical e das modinhas, mas também das demais tradições culturais. Por isso, fomos às aldeias falar com as pessoas que nos ajudaram a fazer a validação de determinada cantiga ou moda”, justifica Manuel Martins.
“Estamos a falar de um passado em que não se sabia ler nem escrever. Agora, presenciamos um processo técnico que requer a digitalização e as interligações que nos permitam remeter para as pessoas que podem testemunhar e dizer que era assim que se dançava e cantava”, considera o provedor da Misericórdia de Soure, assumindo que as cantigas que dão mote às danças são próprias das danças de roda e valsejados.
Voz das Misericórdias, Vitalino José Santos