A ideia surgiu a "pensar no isolamento das pessoas”, com o objetivo de “estar o mais próximo possível das suas necessidades”, e uma candidatura a um programa da empresa Altice viabilizou a compra da viatura e a sua adaptação, que custou cerca de 60 mil euros e foi financiada a 50%.
A pandemia adiou a implementação da unidade móvel de beleza, que recentemente começou a funcionar em pleno. Hoje, cerca de 150 pessoas, de todas as aldeias do concelho de Vila Flor, usufruem deste serviço. A carrinha funciona todos os dias úteis e desloca-se às localidades conforme as necessidades.
Na localidade de Samões, Manuel Morais foi um dos moradores a usufruir do serviço. Ficou a saber da existência da unidade móvel de beleza através da sua irmã. Sabendo que podia cortar o cabelo sem ter de sair da localidade, não quis perder a oportunidade e ainda levou consigo outro irmão. “Aqui estamos dentro de casa. É muito mais fácil”, disse, acrescentando que gosta sempre que lhe “dêem uma ‘despontadela’ no cabelo para descobrir um bocadinho as orelhas”.
Com 60 anos, admite que esta é também uma forma de “passar o tempo” e reconhece que o serviço é “bom”. Por isso, voltar a usar a unidade móvel é uma certeza. “Quando voltarem, venho sempre”, vincou, referindo que confia no trabalho da cabeleireira.
João Gonçalo também promete voltar. Tem 72 anos e, tal como Manuel Morais, não quis deixar de experimentar o novo serviço de apoio domiciliário. Costuma cortar o cabelo “sozinho” em casa ou ir à vila, mas com o serviço à porta, o caso muda de figura. “Fica aqui perto”, afirmou, salientando que sempre que a carrinha por ali passar, aproveita para usufruir.
A adesão tem sido "grande" e os utentes parecem gostar do trabalho de Cláudia Macedo. Os resultados estão à vista de todos. “A reação tem sido boa, mais nas mulheres do que nos homens. Estão a achar engraçado, porque é uma coisa nova e não têm de estar a sair da zona de conforto para se porem bonitos”, contou a funcionária da Misericórdia de Vila Flor.
Cláudia Macedo nunca tirou o curso de cabeleireira, aprendeu sozinha a cortar cabelo. Mas sempre foi uma coisa que gostou de fazer, assim como trabalhar com idosos, o que significa que a expressão "ouro sobre azul" nunca fez tanto sentido.
Enquanto vai cortando o cabelo, conversa não falta e vai sabendo mais sobre as pessoas que tem sentadas à sua frente. “Acabo por conhecer um bocadinho a vida de cada um, porque eles vão falando e perguntam-me também de onde sou. Ainda agora aconteceu com estes senhores, estivemos aqui a confraternizar um bocadinho”, contou, acrescentando que as senhoras são as que falam mais.
Até porque, muitas vezes, olham para Cláudia Macedo, não como cabeleireira, mas como ouvinte e é, nesse momento, que o objetivo de proximidade e combate ao isolamento é alcançado. “Acabamos por passar aquele bocadinho, as pessoas falam comigo coisas que não falam com outras pessoas, porque estamos só os dois e desabafam”, revelou, salientando que os utentes se sentem bem e ela também.
Devido ao isolamento de muitas aldeias, recorrer a um serviço de cabeleireiro pode ser um problema, uma vez que a pouca mobilidade de alguns idosos e a falta de transportes públicos representam um entrave. Mas agora tudo mudou.
“As pessoas estão nas aldeias, os meios de transporte são cada vez mais escassos, a não ser o táxi, e nós temos essa possibilidade de o fazer, uma vez que trabalhamos em rede”, explicou o provedor da Santa Casa da Misericórdia de Vila Flor.
Quintino Gonçalves esclareceu ainda que, no caso das pessoas com mobilidade reduzida, o serviço pode mesmo ser feito em casa.
Durante o mês de dezembro, a unidade móvel de beleza prestou estes cuidados de forma gratuita, “até porque era uma época natalícia”. No entanto, passará a ser pago. O provedor disse que o preço será "muito reduzido", comparativamente aos preços do mercado. “Um corte de cabelo que custe entre oito a dez euros, no nosso caso ficará em metade”, clarificou.
Para já, o apoio destina-se a utentes do apoio domiciliário da Misericórdia de Vila Flor, mas a instituição quer ir mais longe e, no próximo ano, pretende alargá-lo a toda a população do concelho. Ainda assim, Quintino Gonçalves garante que os utentes continuarão a ser beneficiados. “Claro que os utentes terão outras regalias que não terão as outras pessoas, até porque não é objetivo da Misericórdia fazer concorrência comercial seja a quem for”, vincou.
A partir do próximo ano, a Santa Casa da Misericórdia de Vila Flor pretende prestar outros apoios ao domicílio, com a entrega de medicação ou até mesmo mercearia.
“Há cada vez mais pessoas isoladas, uns não têm família de retaguarda, outros têm, mas estão ausentes e põe-se sempre o problema das deslocações”, referiu o provedor Quintino Gonçalves. Para este serviço, a instituição conta utilizar viaturas elétricas.
Voz das Misericórdias, Ângela Pais