Um pequeno pedaço de terra com legumes e hortaliças é designado como horta, mas poderá ser também um local de amor, conhecimento e partilha? Pode, se estivermos a falar da Santa Casa da Misericórdia de Vila Pouca de Aguiar. Um jardim do Lar Dr. Domingos Dias deu origem a uma horta, com mais de 50 variedades de legumes e frutas, plantadas pelas crianças, com a ajuda de idosos.

Um pequeno pedaço de terra com legumes e hortaliças é designado como horta, mas poderá ser também um local de amor, conhecimento e partilha? Pode, se estivermos a falar da Santa Casa da Misericórdia de Vila Pouca de Aguiar. Um jardim do Lar Dr. Domingos Dias deu origem a uma horta, com mais de 50 variedades de legumes e frutas, plantadas pelas crianças, com a ajuda de idosos.

Sentados em bancos de madeira e cadeiras de plástico, os idosos da instituição esperavam pelos mais novos. Dava-se início a mais uma tarde de partilha de saberes, desta vez, mostrar como se encavam cebolas.

Odete Teixeira tem 86 anos, mas a sua genica faz inveja a qualquer gente nova. Com um monte de cebolas e uns pedaços de corda foi encavando cebolas, enquanto contava a sua história de vida. A pequena tarefa fê-la lembrar a sua infância, que nunca teve. “É mais fácil para as guardar, para estarem arejadas. Da idade que tenho sempre me lembro de as cebolas estarem penduradas na casa dos meus pais e era de lá que se gastavam”, contou, sem nunca perder a distração.

Não foi a primeira vez que fez trabalhos na horta do lar. Já apanhou também ervilhas com os mais novos, que parecem aprender rapidamente os ensinamentos. “Os miúdos perceberam logo. As crianças são muito inteligentes”, afirmou, salientando que os “pequeninos são os grandes de amanhã” e o convívio com os mais velhos permite que percebam que “comer não é só pegar no garfo”.

Do outro lado da horta, três crianças ouviam os ensinamentos de João Paredes. Sabia bem do que falava, até porque lhe “nasceram os dentes a encavar cebolas”. “Tem de se cortar a raiz da cebola, cortamos o beirão do meio e deixamos duas pernadas de cada lado e depois faz a trança. Antigamente fazíamos com a palha, demolhava- -se, para a palha não partir. Agora faz-se com baraço dos fardos”, explicou o idoso.

Toda a vida praticou a agricultura e agora, aos 74 anos, é professor do que sempre soube fazer. Com as crianças “bem contentes”, foi mostrando o que disse ser “fácil fazer”. Mas o melhor é a companhia. “É bom receber as crianças, é sinal que ainda cá estamos e serve para passar o tempo e distrairmo-nos. São crianças de duas qualidades, crianças jovens e crianças adultas”, disse com uma gargalhada.

O projeto ‘A Minha Horta’ surgiu no início do ano, por isso, esta troca de experiências já faz parte da rotina. “No verão viemos aqui muitas vezes e ensinámos as crianças. Tirávamos as ervas do feijão, dos morangos...”, lembrou.

Sair do lar, apanhar ar e passar o tempo é o que motiva os idosos a participarem. “Ajuda a passar o tempo, passamos um bocadinho de tempo com eles. Assim ainda tomamos ar. Agora com o inverno não vamos poder sair de lá”, lamentou a idosa Isaura Seixedo.

Além da dinâmica que se cria em torno dos idosos, a horta tem também um papel pedagógico junto dos mais novos. “Há crianças que não sabem de onde vêm os alimentos, não sabem o tempo que demora a crescer, o cuidado que têm e aqui desenvolvem bastantes competências. A nível social também, trabalhar em equipa, ter paciência, saber esperar, mas também competências cognitivas, aprender ao ar livre”, realçou a psicóloga da Santa Casa da Misericórdia de Vila Pouca de Aguiar, Ana Rita Costa.

Cerca de 150 crianças já frequentaram a horta, o que permitiu que aprendessem como são os alimentos, como se plantam e os cuidados a ter. “Antes não sabiam de onde vinham, nota- -se uma grande evolução”, adiantou.

A psicóloga não tem dúvidas de que o contacto com o ambiente e com a terra é “fundamental” para o seu desenvolvimento, uma vez que passam “imenso tempo fechados na sala de aula”.

O pequeno Tomás Monteiro, com oito anos, é uma das crianças que faz parte do projeto. Já esteve várias vezes na horta, onde disse ter regado e plantado, o que não é novidade para si, uma vez que a agricultura faz parte da sua vida, junto dos pais e dos avós. “Costumo sachar, regar e plantar coisas”, enumerou.

Mas encavar cebolas foi a primeira vez. “Não sabia fazer isso. Agora já sei. Peguei nas cebolas, depois fiz uma trança, coloquei a corda e dei um nó para pendurar”, explicou, acrescentando que é “importante estar com os mais velhos para aprender mais coisas”.

“Contactar com a terra”. É disso que gosta Petra Seca. Também com oito anos, nunca tinha encavado cebolas. “Nunca tinha feito. Estava a aprender. Foram os idosos que ensinaram. Eu gostei”, sublinhou.

Morangos, alfaces, cebolas, couves e nabos são só algumas das coisas que foram semeadas e colhidas na ‘Minha Horta’.

O engenheiro agrónomo da Misericórdia de Vila Pouca de Aguiar tem sido o responsável pelo sucesso. “Tínhamos os meios, os idosos, as crianças, o terreno para desenvolver algumas atividades com os idosos, para saírem do lar, e a horta seria um bom meio para saírem e ao mesmo tempo terem contacto com as crianças, que têm muito pouco contacto com a horta. Pretendíamos que fossem os idosos a ensinar os mais novos. A função deles tem sido mais de formadores e tem corrido bastante bem”, explicou José Teixeira.

Cerca de 80 utentes do lar participam nas atividades relacionadas com a horta. Segundo o coordenador, existe uma carência “enorme” por partes dos idosos e a partilha de histórias “antigas” com as crianças tem sido a melhor colheita. “O melhor que aconteceu aqui foram as histórias e as crianças estavam sempre motivadas em escutá-los. Esta interação social é bastante importante e esse é o grande objetivo do projeto e não se a horta produz muito ou pouco”, vincou.

Além deste envolvimento intergeracional, o projeto tem ainda uma vertente solidária. Com os alimentos colhidos foram feitos cabazes, entregues aos idosos envolvidos, mas também distribuídos a famílias carenciadas. “Numa segunda colheita, fizemos uma pesquisa, quer no agrupamento, quer no centro paroquial, de famílias carenciadas e entregámos cabazes. O nosso objetivo é apoiar naquilo que é possível”, destacou.

No entanto, o projeto tem apenas a duração de um ano, o que significa que, em dezembro, os mais novos deixarão de ir para a horta e os mais velhos deixarão de os acompanhar. “Tenho muita pena se não for para dar continuidade”, lamentou José Teixeira. Mas não tem dúvidas de que “valeu a pena”.

Para o provedor da Santa Casa da Misericórdia de Vila Pouca de Aguiar, o objetivo da instituição é "encontrar novas formas de felicidade" e com ‘A Minha Horta’ é possível provocar nos idosos sentimentos de "esperança, sentimento de vida e utilidade". "Integração, amizade, partilha são valores que os mais idosos recebem num clima de felicidade e proximidade com as crianças", destacou Domingos Dias.

A horta tem o financiamento dos prémios BPI Fundação La Caixa – Infância, contando com o apoio da Câmara Municipal e do Agrupamento de Escolas de Vila Pouca de Aguiar, Cooperativa Agrícola de Vila Pouca de Aguiar, Junta de Freguesia de Capeludos e ainda de voluntários.

Voz das Misericórdias, Ângela Pais