A manhã, que começou no Jardim Manuel Bivar, foi passada essencialmente na zona histórica da capital algarvia, com passagens pelo Arco do Repouso (onde se conheceu a lenda da Moura Encantada), Museu Municipal e Sé Catedral.
Um dos temas abordados por Francisco Lameira foi precisamente a existência desses túneis subterrâneos em Faro. Um deles é no restaurante Vila Adentro, sendo o único que se saiba que é possível visitar.
“Junto à Igreja do Carmo também encontraram um. Chamaram-me na altura, abrimos um bocado, mas vimos que, uns metros mais à frente, a estrada já o tinha tapado”, explicou Francisco Lameira, ao Voz das Misericórdias, no final da visita.
Junto ao Arco do Repouso, acrescentou, “também há um”, mas, ao que se sabe, não é visitável.
Segundo o especialista, estes túneis serviriam como “fuga para eventuais ataques”.
“Não há registo escrito, mas sabemos que havia estes pontos de fuga eram usados em situações de ataque, essencialmente por gente da nobreza e do clero. Nem toda a gente sabia da sua existência”, enquadrou o professor Francisco Lameira.
De resto, a existência destes túneis tem motivado a curiosidade de muitos especialistas.
O também professor Jorge Carrega, na sua obra ‘Breve História da Cultura em Faro’, publicada em 2018, com apoio da União de Freguesias de Faro, também lhe dedica atenção.
No capítulo dedicado aos ‘Monumentos Notáveis’, o estudioso fala da “rede de túneis subterrâneos cuja real dimensão se desconhece, pois foram destruídos pelos vários terramotos que assolaram a cidade”.
De acordo com o autor, segundo a tradição oral, esses “túneis foram construídos pelos mouros, que os utilizaram para fugir ao cerco montado pelas tropas cristãs”.
Ainda assim, Jorge Carrega apresenta outra visão que tem sido veiculada por “vários arqueólogos e historiadores”, que identificaram estes túneis como “kanats (ou Qanãt), parte de um sistema de gestão de água, utilizado para irrigação de campos agrícolas e núcleos populacionais”.
“Os kanats foram desenvolvidos pelos persas (atual Irão), há cerca de dois mil e quinhentos anos, tendo sido introduzidos na Península Ibérica pelos árabes a partir do século VIII. Os túneis da cidade velha (aos quais se pode aceder através do restaurante Vila Adentro) integravam uma rede de kanats que abasteciam os poços e fontes de Santa Maria de Faaron, partindo de um grande aqueduto localizado na fonte de Alface (próximo de Bordeira), numa ribeira que constituía um afluente do Rio Seco”, lê-se, na página 10 da obra.
De resto, refere o autor, um troço desse aqueduto foi “detetado no início do século XXI, durante as obras de construção do novo Mercado Municipal”.
Para Francisco Lameira, crítico do subaproveitamento do património que há em Faro, é difícil que haja, no caso dos túneis, uma maior valorização e divulgação. “São difíceis de visitar, escuros”, considerou.
Este foi apenas o segundo passeio de um conjunto de iniciativas que o Grupo dos Amigos do Museu do Traje está a realizar para dar a conhecer o património da região.
“Nós temos um grupo do património, no essencial pessoas estrangeiras que se encontram todas as semanas no museu, e achámos que era importante fazer esta divulgação. Por isso, planeámos um passeio mensal a vários concelhos do Algarve, sempre orientado pelo professor Francisco Lameira”, explica Vânia Mendonça, coordenadora do Grupo de Amigos. A ideia é passar por todos os concelhos e descobrir mais segredos, como este dos túneis subterrâneos de Faro.
Voz das Misericórdias, Pedro Lemos