A igreja da Misericórdia de Alhos Vedros reabriu ao público depois de 40 anos a aguardar verba para requalificação. A candidatura ao Fundo Rainha Dona Leonor (FRDL), em 2019, viabilizou o arranque das obras de recuperação há muito ansiadas pela irmandade e população, com o apoio da autarquia, junta de freguesia e o contributo da Misericórdia em 40% do investimento global, que totalizou cerca de 420 mil euros.

Depois de um ano de trabalhos de renovação, o edifício foi inaugurado a 14 de novembro com uma celebração eucarística presidida pelo bispo de Setúbal, D. José Ornelas, na presença dos órgãos sociais da Santa Casa, representantes da autarquia, junta de freguesia, segurança social e entidades parceiras. O dia foi de festa e a música fez-se ecoar nas quatro paredes da nave central, com a participação de jovens da terra, ao piano e na voz (grupo de escuteiros de Alhos Vedros). 

No dia seguinte, foi a vez da população visitar a obra, reagindo com surpresa e entusiasmo. Muitos referiram não entrar na igreja desde a infância, enquanto outros pisaram pela primeira vez o templo. Nas redes sociais, não se pouparam elogios à requalificação do edifício, que no decurso do século XX funcionou como sala de festas para angariar verbas para a construção do hospital, garagem de ambulância e cavalariça no tempo da I República.

O edifício foi resgatado da ruína, depois de uma intervenção rigorosa, com a duração de um ano, assegurada por profissionais especializados na conservação e restauro. Como em todas as obras, houve surpresas, que se traduziram em despesas inesperadas. “O orçamento inicial era inferior em quase 100 mil euros, mas depois descobrimos atrás do altar uma sacristia, entre outras pequenas obras”, adiantou o provedor numa visita guiada ao VM.

A atual mesa administrativa não podia estar mais orgulhosa do resultado dos trabalhos, mas admite o enorme esforço financeiro que implicou a obra. “Em termos de tesouraria foi um rombo, sobretudo num período de recuperação económica. Tínhamos previsto investir cerca de 80 mil euros e foi necessário investir o dobro. Mas não podíamos esperar mais, era com grande tristeza que víamos o património degradar-se a cada dia”, referiu Miguel Canudo.

As estruturas estavam comprometidas, conforme alertou Alberto Morgado Marques, vogal responsável pelo património e por isso a necessidade de requalificar era urgente. “A boa notícia é que não havia intervenções sobrepostas, o que facilitou a reabilitação”.

Em todo o processo, houve a preocupação de ser fiel à traça original. “Começa como pequena ermida, logo a seguir à fundação da Misericórdia, mas a construção consolida-se no século XVI”, recua o provedor. Alguma desta informação está disponível no arquivo da instituição e é objeto de estudo do historiador José Manuel Vargas, que tem em curso uma publicação sobre a história da Santa Casa.

Enquanto o livro não chega às mãos do público, a viagem no tempo faz-se dentro das quatro paredes da igreja, onde se destacam os painéis de azulejos da primeira metade do século XVIII, com cenas da Virgem (nave central) e das obras de misericórdia corporais (coro alto).

 Depois de 40 anos de portas fechadas, o objetivo é devolver a igreja ao culto e fruição da população, com visitas mensais e a inclusão no roteiro histórico e cultural do concelho. Mas, para já, o culto será apenas retomado uma vez por ano, com uma missa no Dia da Misericórdia.

Voz das Misericórdias, Ana Cargaleiro de Freitas