Respeito. Emoção. Fé. Centenas de pessoas juntaram-se, no passado dia 13 de abril, na Capela da Misericórdia de Arouca para, depois de dois anos de interregno devido à pandemia, participar na Procissão dos Fogaréus.

São 21 horas de quarta-feira Santa. O cenário é arrebatador na praça principal do centro histórico de Arouca junto à capela, onde se encontram os andores com imagens valiosas, ornamentados com flores e cobertos por mantos de várias cores, com predominância para o roxo e o vermelho. O trabalho de preparação, desenvolvido pelos funcionários mais antigos da Misericórdia, inicia-se com muitas semanas de antecedência.

O silêncio e o respeito imperam, independentemente da crença religiosa. Um a um, os andores começam a sair da capela de pequenas dimensões, edificada ao fundo da mais antiga praça de Arouca, de frente para a porta principal do mosteiro.

A bandeira da irmandade avança à frente. Os bombeiros e a banda de música, presenças habituais, dirigem-se para as suas posições. A comunidade começa a formar dois corredores com as tochas, ou os fogaréus, a ladearem a procissão em toda a sua extensão. Os andores - Senhor da Cana Verde, Senhor dos Passos, Senhor na Cruz e Senhora das Dores – são carregados, na maioria, por mulheres que cumprem promessas. O pálio segue na zona central. Na parte traseira do cortejo, depois da banda de música, vai o povo com velas na mão.

No percurso até ao Calvário há paragens nas sete cruzes dos passos, onde é interpretado em latim um cântico da “Verónica”, vestida de preto, desenrolando um manto com o rosto de Cristo. “As cruzes dos passos eram sete e estavam distribuídas pelas ruas existentes na vila na altura. Com o alargamento das ruas e os trajetos alterados, três delas acabaram por ser destruídas. Neste momento temos quatro permanentes em pedra e granito e as restantes são amovíveis em madeira que, uns dias antes da procissão, são colocadas nos lugares antigos” conta o provedor, Vítor Brandão, acrescentando que no Calvário existem “mais seis, em granito”.

Esta procissão teve início no ano de 1626, sendo provedor o padre Diogo Dias. Inicialmente foi-lhe dado o nome de Procissão dos Passos, embora também seja designada por Procissão dos Fogaréus. “Esta cerimónia tem um significado muito grande para todo o povo de Arouca, independentemente da crença religiosa”, assegura o provedor, sublinhando que se trata de “uma solenidade que mexe com o interior das pessoas”.

Chegada a procissão ao Calvário – “um marco de arquitetura religiosa”, lembra o provedor -, é efetuado um sermão, alusivo à Paixão de Cristo. O sacerdote faz uma ligação da morte do Senhor com a vida atual dos homens.

Antigamente, a procissão terminava no Calvário, sendo os andores recolhidos para a capela do Espírito Santo, que se situa no local, mas agora a procissão regressa por um itinerário diferente. Passa em frente ao lar da Santa Casa, onde se efetua uma paragem para que os idosos possam contemplar as imagens, com a banda a interpretar peças da Paixão do Senhor, regressando, após este momento, ao local de partida, à capela da Misericórdia, onde o sacerdote sobe ao varandim para efetuar a saudação à comunidade, dando por terminada a cerimónia.

No livro dos 400 anos da Santa Casa da Misericórdia de Arouca, do historiador arouquense Afonso Veiga, a história desta procissão vem retratada em várias páginas. “Existe muita documentação que tenho na minha posse que permite fazer uma recriação muito próxima do original, devendo esta tradição ser preservada, porque é das melhores que se faz a nível nacional”, garante o historiador ao VM.

Depois de dois anos terríveis, em que a esperança chegou a esmorecer, “é uma alegria muito grande ver esta multidão e voltarmos a reviver esta tradição”, conclui emocionado o provedor.

Voz das Misericórdias, Paulo Sérgio Gonçalves