A Santa Casa da Misericórdia de Barcelos levou a cabo uma empreitada de nove meses para recuperar na totalidade a sua igreja

As Misericórdias em Portugal são reconhecidamente guardiãs de um diversificado património que se constitui como um autêntico tesouro histórico nacional. País afora encontram-se imóveis, obras-primas como pinturas, quadros, esculturas e muitos outros artefactos representativos das mais distintas fases da arte religiosa portuguesa. Muito recentemente, a Misericórdia de Barcelos restaurou na íntegra aquela que será a sua mais preciosa joia da coroa: a sua igreja.

Segundo Nuno Reis, provedor desta Misericórdia, tratou-se da primeira grande intervenção realizada nos últimos 150 anos, tendo a igreja e o seu convento anexo sido construído no século XVI e entregues à Misericórdia em 1836. A obra durou aproximadamente 9 meses (entre março e novembro de 2019) e a deterioração da estrutura era tão grave que, apesar de ainda se manter aberta ao público nos primeiros meses, teve que ser pontualmente interdita aos cultos, especialmente por conta do mau tempo e das infiltrações, que já comprometiam a dignidade das cerimónias. Numa segunda fase, as atividades eram tão intensas (como a substituição de todo o telhado), que foi mesmo preciso encerrá-la provisoriamente, como explica o provedor.

A obra contou com o estreito envolvimento da equipa técnica de restauro, da mesa administrativa, além de especialistas da Arquidiocese de Braga e da Universidade do Minho, como a professora Paula Bessa, de forma a garantir que fossem preservados toda a originalidade da obra.

O processo não foi fácil. O restauro começou pela limpeza da fachada externa, protegendo também toda ela e as várias estátuas graníticas, especialmente contra a ação da humidade. No interior já chovia em várias partes, mas com maior incidência no altar-mor, cujas infiltrações já haviam comprometido boa parte da estrutura.

Procedeu-se também à substituição de todo o teto, incluindo madeira e telhas. Contudo, mais complicado foi a troca de boa parte das pedras da capela-mor, depois que especialistas detetaram que padeciam do que é chamado a “doença da pedra”, quando começa literalmente a esfarelar-se, sendo irremediável a sua substituição. Nada “escapou”, tendo sido intervencionados também portas e gradeamentos.

A propósito de retábulos e pinturas, o técnico António Neves contou ao VM que a maior dificuldade com que se deparou foi a reparação da pintura que retrata a ceia de Emaús, já com bastante sujidade e vernizes oxidados. “Esta teve de sofrer uma limpeza química pormenorizada, para que, no final, se pudesse apresentar no seu esplendor original”, explica, acrescentando que a moldura deste quadro barroco chegou aos dias de hoje com várias camadas de outras pinturas. “Optou-se pelo levantamento do repinte, presentemente branco, em especial depois de se verificar que a pintura original, de um belíssimo azul celeste, estava em bom estado”. Segundo a professora Paula Bessa, esta opção permite “uma leitura completamente diferente” das obras, imensamente valorizadas em termos artísticos.

Jorge Duarte, empresário da construção, aponta como principal desafio a substituição dos degraus de granito da capela-mor, “pois a pedra encontrava-se em muito má condição, talvez devido à poluição e à limpeza com águas ácidas, que originam a corrosão da pedra”. O que o surpreendeu na sua já longa atuação em obras foi a descoberta de parte do soalho na nave mor da Igreja, “em madeira de riga muito velha e em muito bom estado de conservação, que se encontrava coberta com várias camadas de cera, que não deixava ver todo o esplendor da sua beleza original”.

Diante da quantidade massiva de material substituído, poderia esperar-se que tivesse sido necessário amealhar uma pequena fortuna nas obras do edifício que é considerado imóvel de interesse público municipal. Nuno Reis surpreende-nos revelando que o custo final das intervenções representou um investimento que pouco ultrapassou os 150 mil euros, angariados com um peditório público, porém suportado na sua quase totalidade por fundos da própria Misericórdia, ainda que a quantia despendida tenha sido já apontada como bastante “reduzida” diante da magnitude e especialização dos trabalhos realizados.

A obra foi já candidatada a um prémio nacional de reabilitação urbana. Nuno Reis mostra-se otimista no reconhecimento do valor do trabalho realizado, já que, literalmente, mais uma igreja da Misericórdia renasceu, ganhando novamente a vida e esplendor de outrora, colaborando para a restauração de um representativo património da memória artística nacional.

Voz das Misericórdias, Alexandre Rocha