A noite em Bragança era de chuva copiosa, o que convidava ao recolhimento necessário à celebração da Via Sacra. A Sé Catedral serviu-lhe de palco, acolhendo mais de duas centenas de pessoas interessadas em assistir e participar numa iniciativa organizada pela Misericórdia de Bragança.
“Embora estejam envolvidas a Diocese, as paróquias e IPSS, é sempre da nossa responsabilidade a celebração da Semana Santa em Bragança. Este ano, tivemos o problema do tempo, que não nos permitiu percorrer as ruas do centro histórico e fazer a procissão do Enterro do Senhor”, referiu o provedor Eleutério Alves.
A 30 de Março, todas as estações da Via Sacra passaram pelo altar-mor da Sé Catedral, com destaque para o segundo episódio – Jesus carrega a cruz às costas – que foi protagonizado por utentes da Estrutura Residencial para Pessoas Idosas (ERPI) e do Centro de Educação Especial (CEE).
Com 27 anos, Adriano Silva está vestido a rigor e sabe bem qual o seu papel: “o soldado guarda o Jesus”. É a primeira vez que este utente do CEE participa na Via Sacra, o que explica o nervosismo por “ver tanta gente”. “Mas vai correr tudo bem esta noite”, diz, quase em jeito de se convencer.
O colega José Luís Ferreira é, também, um soldado romano com a missão de “acompanhar Cristo”. Estreante nestas lides da representação, este utente admite: “não me assusto com tanta gente”.
A adesão do público que ia lotando os bancos corridos da Sé Catedral não surpreendia o provedor. “A comunidade de Bragança é uma comunidade com fé, que tem mesmo orgulho em participar nas atividades da Semana Santa”.
Adérito Rodrigues, 38 anos, viu-lhe ser atribuída a maior responsabilidade da noite. É ele que carregará a cruz e protagonizará a segunda estação da Via Sacra. “Eu gosto do papel de Cristo, já é a segunda vez que tenho este papel”. Este utente do CEE assegura que não precisa de grande preparação, afinal “já tinha feito os ensaios no ano passado e já sabia como era”.
Já Basílio Augusto Parente, 86 anos, nunca se tinha visto em tal azáfama. “Quando se lembram, metem-me em qualquer papel e eu não me importo nada. Ajudo-os como posso”, revela. Num olhar rápido sobre a plateia, afasta qualquer nervosismo. “Já fui condutor de autocarros e já lidei com muita gente, de maneira que não me afeta nada.” Mas momentos antes de entrar em cena, confidenciava: “vamos lá ver o que vai ser”.
Para este utente da ERPI, a Páscoa é “uma data muito significativa”, que vai ser comemorada “em conjunto com os outros”. Em tempos idos, Delmina Fernandes, 81 anos, não falhava a Via Sacra, nem a “missinha todos os domingos”. Por isso, apesar de ser a primeira vez que participa na celebração organizada pela Misericórdia, não esconde a satisfação: “gostei de vir aqui, ver esta gente toda. Estou a encontrar tudo muito bonito”. Sobre a sua participação na segunda estação, prefere “esperar pelo fim” para se pronunciar.
Perfeitamente adaptado ao papel de judeu, o pequeno João Pereira sabe que “só tem de ficar sério e olhar para Cristo”. “Gosto de entrar no espírito daquele tempo e de representar figuras destas”, diz. Aos nove anos, João já tem a experiência de “ter sido apóstolo” e de “estar habituado a muita gente”. “Estou descontraído e se para o ano fizerem, eu volto porque é fixe participar nestas coisas.”
Com o som estridente da matraca a ressoar ao longe e as luzes a diminuírem de intensidade, Alexandre Barrigão, nove anos, tem em mente as indicações recebidas: “só tenho de ficar parado, ao pé dos soldados”. “Estou à vontade porque já estou habituado a muita gente. Como jogo futsal, temos muitas pessoas na bancada e, depois, isto é normal.”
De acordo com o provedor da Misericórdia, a preparação desta tradição pascal começou em outubro, por ser também “um dos pontos altos da celebração dos 500 anos que a Santa Casa está a comemorar”. “Estão mais de 100 irmãos a participar, 30 colaboradores a trabalhar nesta atividade, mais de 80 utentes e familiares a assistir”, acrescentou.
Voz das Misericórdias, Patrícia Posse