“Neste aparente microcosmos que é a Misericórdia de Coimbra, deparamo-nos, afinal, com a cidade e as suas instituições e pessoas, desde as poderosas às mais humildes”, afirmou a historiadora Maria Antónia Lopes, na sessão de apresentação desta obra, em 11 de janeiro, no salão nobre do Museu da Santa Casa, no edifício do antigo Colégio da Sapiência.

Na sua intervenção, a docente da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, onde se dedica à História da Sociedade e da Cultura, disse que a obra resultou de um convite do provedor José Vieira – o qual volta a integrar os novos corpos sociais da Misericórdia de Coimbra, durante mais quatro anos – e que resulta da pesquisa de oito jovens historiadores (Ana Isabel Coelho Silva, Ana Margarida Dias da Silva, Ana Maria Correia, Beatriz Cabral, Carlos Faísca, Cristóvão Mata, Gabriel Pereira e Ricardo Pessa de Oliveira), doutorados ou a terminar o seu doutoramento, que, como considera a coordenadora, “corresponderam plenamente ao que deles esperava”, quando os desafiou para “esta aventura”.

A ‘História da Misericórdia de Coimbra (1500-2000)’ encontra-se dividida em dois volumes. O primeiro abrange o período da Monarquia Absoluta e o segundo inicia com a instauração definitiva do Liberalismo, em 1834, indo até ao ano 2000. Ou seja, como recorda a historiadora, cobre quatro regimes políticos diferentes: Monarquia Constitucional, Primeira República, Estado Novo e Democracia.

Enquanto coordenadora deste trabalho e convicta de que a “historiografia precisa de algum distanciamento temporal”, Maria Antónia Lopes decidiu que o ano 2000 fosse o limite cronológico da obra, “sem qualquer objeção” por parte dos dirigentes da instituição. Assim, com a história de meio milénio, o passado da irmandade foi “resgatado com investigação séria e sem outra qualquer motivação”.

Com esta obra de reconhecido interesse para a compreensão da comunidade em que a Misericórdia de Coimbra se inseriu e auxilia os mais necessitados, “desemboca-se, portanto, na sociedade portuguesa ao longo de cinco séculos, na sua arquitetura política, jurídica, ideológica, religiosa, social e económica”.

Como também observa a Imprensa da Universidade de Coimbra (IUC), cuja diretora é a matemática e docente Carlota Simões, “esta obra é o resultado de uma investigação profunda em diversos arquivos”, sobretudo “o riquíssimo arquivo da Misericórdia de Coimbra, mas não só”, pois “representa a primeira monografia completa sobre a Santa Casa da Misericórdia de Coimbra, abrangendo cinco séculos de história”.

“Ao contar a evolução da instituição, a publicação oferece uma radiografia social, económica e política de Coimbra ao longo de cinco séculos, desde o período moderno até ao limiar do século XXI”, anota a IUC, relevando que esta obra, com a sua chancela e financiada por mecenas anónimos, é “um marco no estudo da assistência social, das políticas de saúde e do património cultural e artístico que a Misericórdia de Coimbra preservou e transformou ao longo de meio milénio”.

A estrutura adotada para os dois volumes é a mesma, com seis partes em cada um: ‘Enquadramento legal nacional e regulamentações internas’, ‘Irmãos, dirigentes e trabalhadores’, ‘Receitas, despesas e património’, ‘Ação social’, ‘Ação religiosa’ e ‘Património artístico’.

Com a edição de uma obra desta dimensão, além da gente da governança municipal e da fidalguia, a par dos bispos, cónegos e presbíteros, entre muitos outros, “encontramos o imenso mundo dos pobres” que, como lembra Maria Antónia Lopes, “nos seus toscos requerimentos [ou pedidos de auxílio, por escrito] expunham os seus infortúnios, revelando-se, aí, as múltiplas faces da miséria”.

Voz das Misericórdias, Vitalino José Santos