Como ponto de partida para o livro, que conta com ilustrações de José Alberto Duarte, os historiadores João Pedro Tormenta e Ricardo Pereira pegaram no tombo da Confraria do Espírito Santo de Óbidos, onde consta o registo de propriedades desta irmandade, respetivas confrontações e a identificação dos donos, com dados referentes à sua profissão e família. Um conjunto de elementos que “enriquece” o conhecimento sobre a vila e que ajuda a “caracterizar a sociedade de Óbidos na Idade Média”, salienta João Tormenta, revelando que o tombo permitiu identificar quase “meia centena de pessoas” e outros tantos topónimos de origem medieval. “É interessante constatar que, 500 anos depois, alguns desses topónimos ainda se mantêm, outros desapareceram ou mudaram de grafismo”, atesta.
Os dados constantes do tomo permitiram ainda reconstituir o quarteirão onde, na Idade Média, existiu a capela do Espírito Santo, que depois deu lugar à igreja da Misericórdia. A partir dos elementos disponíveis, José Alberto Duarte fez ilustrações que recriam o quarteirão, localizando em mapa não só a capela, mas também a albergaria, o hospital, a casa dos frades, uma adega e uma grande olaria que faziam parte do património da Confraria do Espírito Santo.
Segundo José Duarte, no tombo há ainda a descrição de uma azinhaga, que terá existido na vila a norte da capela, bem como a identificação e localização no território dos 49 bens da confraria, “a maior parte situada na zona mais interior” do concelho de Óbidos, já que a área mais próxima do mar “era floresta densa”.
Pergaminho raro
O livro agora publicado faz a transcrição do tombo, “um dos poucos pergaminhos” existentes sobre Óbidos e que, de acordo com o historiador e arquivista Ricardo Pereira, será “o segundo documento mais antigo da vila, a seguir ao tombo do município”.
Constituído por 15 fólios - “falta um, aquele onde constaria o nome do escrivão” -, o tombo da Confraria do Espírito Santo está datado de 1507 e “foi feito na chancelaria do rei D. Manuel I, a mando da rainha D. Leonor”.
A par da transcrição do tombo, “do português antigo para o atual”, de forma a que “possa chegar à comunidade e não fique apenas acessível a um nicho de historiadores”, o livro faz a contextualização do documento, abordando a evolução do culto do Espírito Santo, que “surgiu na Idade Média” e que, no caso de Óbidos, desapareceu com o liberalismo, adianta João Tormenta.
“Foi dos cultos mais importantes em Portugal durante o período medieval. É a materialização de uma ideia filosófica da rainha Santa Isabel a favor das pessoas”, salienta o historiador. O autor explica ainda que, com a nova organização do assistencialismo introduzida por D. Leonor com a constituição das Misericórdias, as confrarias do Espírito Santo passaram a forcar-se apenas no culto e, em muitos casos, como em Óbidos os seus bens ficaram sob a alçada das Santas Casas.
Nova obra de misericórdia
Este é o 17º livro editado pela Misericórdia de Óbidos que tem já no prelo um outro, cuja apresentação está prevista para novembro. Frisando que a prioridade da Mesa Administrativa “é sempre a ação social”, o provedor Carlos Orlando defende, no entanto, que a preservação do património e do arquivo da irmandade também deve ser uma preocupação.
O responsável vai, aliás, mais longe e assume o “arrojo” de propor a introdução de uma nova obra de misericórdia: “proteger e dar a conhecer o património” destas irmandades. “Não podemos esquecer que a nossa fundadora teve uma cultura enorme e dedicava-se também muito à educação”, nota Carlos Orlando.
Voz das Misericórdias, Maria Anabela Silva