A Santa Casa da Misericórdia da Lourinhã vai disponibilizar à comunidade um acervo documental com 600 anos de história

A Misericórdia da Lourinhã vai disponibilizar à comunidade um acervo documental com 600 anos de história, no âmbito de um projeto de inventariação e digitalização aprovado pelo Orçamento Participativo da Lourinhã (OPL), em setembro. O fundo constituído por cerca de 12 livros e 15 mil documentos está a ser alvo de inventariação, numa sala com condições ideais de armazenamento, desde fevereiro, ao abrigo de uma parceria entre a Santa Casa, o Centro de Estudos Históricos da Lourinhã (CEHL) e a Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa (UL).

Numa visita guiada pelo património da instituição, o mesário responsável pela área cultural enquadrou este projeto num esforço global de valorização da identidade e história da Misericórdia, que culmina no estudo do arquivo e inauguração de um núcleo museológico, em dezembro de 2020, após obras de reabilitação na igreja e casa do despacho.

A comunidade tem assumido um papel central em todo o processo, desde a angariação de fundos para a requalificação da igreja - a que se juntou o apoio do Fundo Rainha Dona Leonor (2017) e da autarquia - até à fruição do património e partilha de conhecimento da história local (investigadores, comunidade educativa e público em geral). 

“Além da preservação e acondicionamento dos documentos, pretendemos digitalizar para tornar possível, a quem queira, estudar a história da Lourinhã e da Misericórdia, com as ferramentas do digital. Queremos dar acesso à informação”, justificou Pedro Quintans.

A mais recente descoberta, no decorrer da inventariação do arquivo, inclui três tombos da Gafaria de Santo André (leprosaria), da Albergaria do Corpo de Deus (hospital) e da Confraria de Santa Margarida, que foram anexadas aquando da fundação da Santa Casa, em 1585. Estes documentos serão alvo de publicação fac-similada, com o apoio do projeto “Hospitalis - Arquitetura hospitalar em Portugal nos alvores da Modernidade: identificação, caraterização e contextualização”, sob a coordenação de Joana Balsa Pinho, e do projecto ‘BRIGHT: BRing the hIdden to the liGHT.Safeguarding unknown painting collections from 16th to 18th century through material and artistic analytical research to recognize Cultural Heritage fostering community and sustainable development’ sob a coordenação de Vanessa Henriques Antunes, ambos financiados pela FCT.

“Estamos a falar de documentos de início do século XVI, que dão conta de todos os bens que pertenciam a estas instituições e foram congregados na Misericórdia. São provavelmente dos documentos mais antigos que temos no concelho” explica Vanessa Henriques Antunes, investigadora da Faculdade de Letras da UL e membro do CEHL, enquanto nos mostra as primeiras páginas dos tombos quinhentistas.

Nas prateleiras oferecidas por um benemérito da cidade há outras relíquias por estudar, que incluem o primeiro livro de atas da Misericórdia, o livro de eleições, com uma capa em pele ricamente adornada, o livro dos irmãos, onde se leem os nomes por ordem alfabética, e uma partitura musical de cantochão (prática de canto da Idade Média).

Numa conjuntura de poucos recursos, o OPL vai ser determinante para dar seguimento à inventariação e digitalização do acervo, com o apoio de um técnico de arquivística, e também dar suporte à investigação em curso para o futuro museu. Para a investigadora, “é fundamental a comunidade saber a origem das peças e valorizar o que está aqui. Os documentos são muito importantes porque esta história ainda não está contada”.

Brevemente, o público poderá conhecer algumas das peças à guarda da instituição, onde se destacam duas telas atribuídas ao mestre da Lourinhã, quatro tábuas de Lourenço de Salzedo, autor do altar-mor da igreja do Mosteiro dos Jerónimos, um conjunto de bandeiras da Misericórdia, dos séculos XVI ao XVIII, e obras de autores locais. A inauguração do espaço museológico deverá ser acompanhada com o lançamento de um catálogo com artigos de investigadores de várias universidades.

Voz das Misericórdias, Ana Cargaleiro de Freitas