Cerca de 100 pessoas, entre dirigentes e técnicos de Misericórdias, investigadores, entidades e comunidade local, estiveram em Bragança, no dia 15 de junho, para partilhar boas práticas de museologia e refletir sobre o papel dos museus, enquanto promotores de memória, identidade e criação de conhecimento científico. Na sua quinta edição, as Jornadas de Museologia das Misericórdias foram coorganizadas pela União das Misericórdias Portuguesas (UMP) e Santa Casa local e integraram as comemorações do 500º aniversário da instituição anfitriã.
No arranque dos trabalhos, o responsável do Secretariado Nacional da UMP pela área do património, José Augusto Silveira, convidou as Misericórdias a olhar “para esta realidade como estratégia de oferta cultural, contributo para a economia do turismo, mas sobretudo como suporte de afirmação da identidade cultural. As Misericórdias, através destes equipamentos culturais, estão em posição privilegiada para trazer as gerações mais jovens para esta causa”.
Na mesma sessão, o diretor regional de Cultura do Norte, António Ponte, valorizou este tipo de encontros que colocam no centro da discussão uma dimensão menos conhecida das Misericórdias e desafiou a plateia a refletir sobre o papel social dos museus. Por um lado, enquanto elemento de valorização territorial, por outro enquanto criador de “referenciais de identidade” e “palco de educação não formal” na transmissão desses referenciais.
Ideia partilhada pelo vice-presidente da autarquia, Paulo Xavier, que valorizou os museus enquanto “organizações vivas” e “centros de produção de cultura”. Atuando como agentes de comunicação, a diferentes níveis – comunicação interna, com a imprensa e com o seu público - estes equipamentos podem cumprir uma dupla função na medida em que “desmitificam e interpretam campos de saber (ciência, arte e cultura), tornando-os mais próximos do cidadão”.
Para concretizar esse desiderato – “museu ao serviço da comunidade que convoca todos a participar” – a docente do Instituto Politécnico de Bragança, Maria Emília Nogueiro, desafia as instâncias locais a cooperar no desenvolvimento de políticas sustentáveis. Recorrendo ao exemplo de Bragança, a investigadora sublinha a necessidade de “consolidar o trabalho em rede para criar um futuro mais criativo e fixar os jovens que estamos a formar. Abrem muitos museus [na cidade], mas o técnico é sempre o mesmo e as coleções não são visitáveis”.
O projeto “Rota das Artes das Terras de Trás os Montes”, apresentado por Ana Maria Afonso, responsável do Museu Abade de Baçal – integrado na rota de museus da cidade -, surge nessa lógica de valorização do património e desenvolvimento sustentável da região através de uma estrutura em rede. Ainda numa fase embrionária, a iniciativa destina-se a inventariar e reativar tradições (produção de linho, seda, lã, couros, ferros forjados, etc.) através da criação de oficinas interpretativas, enquanto núcleos de uma rede onde se pretende incluir o Museu Berlamino Afonso (inaugurado pela Santa Casa em 2000) e outros espaços etnográficos.
Sociedade civil, museus, autarquias e universidades podem desempenhar um papel fulcral na recuperação de tradições ancestrais da região como os rituais de mascarados do Solstício de inverno, votados ao esquecimento durante anos. Segundo o especialista e presidente da Academia Ibérica da Máscara, António Tiza, “passou-se do desconhecimento para a mediatização destes rituais. A promoção das máscaras resulta de associativismo, autarquias, instituições, meios de comunicação social, artistas e artesãos que têm feito trabalho notável”.
Além da realidade do concelho de Bragança, durante as jornadas de museologia foi possível conhecer também o trabalho realizado por outras Misericórdias da região trasmontana. Perante a “riqueza de testemunhos” partilhados pelas Santas Casas de Vila Flor, Mirandela, Chaves, Bragança e Torre de Moncorvo, o responsável pelo Gabinete de Património Cultural da UMP, Mariano Cabaço, elogiou “o respeito das instituições pelo seu passado, muito evidente nas galerias de benfeitores e provedores, e o reconhecimento por aqueles que os antecederam”.
Em representação da instituição anfitriã, o provedor Eleutério Alves agradeceu a presença de colegas vindos de todo o país no primeiro encontro de museologia da cidade e elogiou a iniciativa da UMP que de forma descentralizada promove a diversidade cultural dos territórios. “Todos os palestrantes eram daqui e falaram da nossa cultura, tradições, costumes, património e as pessoas ficaram a perceber como era a vida em Bragança e quais os valores que norteiam os transmontanos”.
Para encerrar o dia de trabalhos, os participantes foram convidados a conhecer diferentes manifestações da cultura popular transmontana e modo de vida rural (transformação do linho, fabrico do pão, oficinas do ferreiro e carpinteiro, etc.) numa visita informal pelo Museu Etnográfico Dr. Berlarmino Afonso.
Voz das Misericórdias, Ana Cargaleiro de Freitas