O Dia do Património regressou às Misericórdias, após um interregno de dois anos, com um debate muito participado sobre as potencialidades do património, como fator de desenvolvimento, afirmação e defesa da identidade. Na sua 11ª edição, que decorreu a 30 de setembro, o evento reuniu 110 pessoas, entre académicos, dirigentes das Santas Casas e responsáveis pela área cultural, na igreja da Misericórdia de Viana do Castelo, magnífico exemplar barroco no coração da cidade minhota. Nas suas palavras de boas vindas, o provedor anfitrião, Mário Guimarães, deixou o mote para os trabalhos: “Que este dia nos inspire de ideias e discussões por forma a tornar as nossas instituições cada vez melhores”.

Também na abertura da sessão, Manuel de Lemos considerou “simbólico” o regresso da iniciativa que celebra a memória e identidade das Misericórdias e pretende ser um “dia de reflexão sobre os constrangimentos, oportunidades e enormes potencialidades deste património”, enquanto fórum de partilha de boas práticas para a salvaguarda e dinamização do acervo à guarda das instituições. “Falar de património e cultura nas Misericórdias é assumir que esta realidade, nas suas diferentes manifestações, constitui a maior garantia da nossa identidade e um testemunho da missão que assumimos há séculos. Como diz o Papa Francisco, quem não tem memória não tem futuro”, declarou o presidente da UMP.

Para o bispo de Viana do Castelo, a herança projetada através do património responsabiliza-nos pela “exigência” que representa em termos de preservação e transmissão às gerações futuras. “Nós somos herdeiros de uma época e criadores de futuro. Estamos suportados por valores e por um sentido de beleza e de justiça e, por isso, tudo o que nos é colocado nas mãos deve ser valorizado e preservado para que as novas gerações sintam que vale a pena viver a humanidade que queremos ajudar a edificar”, comentou após saudar este tipo de iniciativas que permitem “enriquecer e usufruir do património”.

A valorização deste património implica, na opinião do presidente da Câmara Municipal de Viana do Castelo, uma atuação integrada no território. “Não faz sentido intervir no património público e particular se não for de forma integrada. Uma cidade só será reconhecida se o património estiver cuidado no seu todo”. Defende, por isso, a congregação de esforços, vontades e recursos, numa lógica de proximidade, que permita preservar uma identidade comum. “Tem sido esse o nosso compromisso, mas temos de continuar a caminhar e encontrar parcerias para que quem nos visita reconheça os nossos valores e identidade”.

Em Viana, a história revela que o património foi encarado como “garante da identidade” em diversos momentos da vida da Misericórdia, conforme detalhou o historiador da Universidade do Minho, António Magalhães, no final da manhã. Dando como exemplo uma intervenção profunda realizada na igreja, no século XVIII, o investigador recorreu a deliberações produzidas pela irmandade para destacar a importância conferida ao templo. “O objetivo era que a obra perpetuasse a memória e dignificasse a instituição, o que justificava o elevado investimento”.

Aproximar património das pessoas

Nos dias de hoje, aproximar este património das pessoas e potenciar a fruição cultural junto de novos públicos passa, na opinião do docente e investigador Gonçalo Maia Marques, do Instituto Politécnico de Viana do Castelo, por uma maior articulação com escolas e famílias e pela criação de circuitos turísticos em rede. “A escola pode ser um meio de levar as crianças aos museus e ao património das Misericórdias. Temos de olhar para o território e aproveitar as potencialidades de trabalho nas escolas, com as crianças, e com os agentes turísticos”.

O projeto “Viver Património”, lançado formalmente pela UMP nesta data, insere-se nesta lógica de aproximação a novos públicos e abertura dos espaços das Misericórdias (ver texto ao lado).

Conforme edições anteriores, o evento em Viana do Castelo serviu como fórum de partilha de conhecimentos e boas práticas, dando voz aos dirigentes e técnicos envolvidos na gestão diária do património. Em comum, o esforço de preservação da memória e identidade e de partilha de conhecimento com a comunidade. “Tivemos aqui uma viagem pelo património das Misericórdias, que são um repositório de memórias”, resumiu José Rabaça, tesoureiro da UMP e moderador do debate com as Santas Casas.

Em representação de Chaves, o provedor Jorge Pinto de Almeida destacou o esforço de conservação e divulgação de um “património único”, através de obras na igreja, publicações e iniciativas educativas com vários públicos. Da mesma forma, a Misericórdia de Barcelos assumiu a valorização do património como prioridade através de uma intervenção na igreja, a dinamização do núcleo museológico e divulgação do acervo documental nas redes sociais.

De Ponte da Barca chegaram-nos ações de salvaguarda do património imaterial, que envolvem o estudo, recriação e edição de um livro sobre os cortejos de oferendas, realizados nas décadas de 1940 e 1960. Já o testemunho de Vila Nova de Gaia ficou marcado pela experiência da instalação do arquivo intermédio e a criação de um espaço de consulta para investigadores.

Concluído o dia de trabalho, José Silveira, vogal do Secretariado Nacional da UMP responsável pelo património, reconheceu a mais-valia dos “contributos e conhecimentos” partilhados e da reflexão sobre os “constrangimentos e oportunidades que se nos oferecem”.

Na despedida, marcou-se novo encontro para 2023, em Amarante, nas VIII Jornadas de Museologia, e em Coimbra, no 12º Dia do Património. “Até lá, desejo a todos um bom trabalho em união e cooperação fraterna”, formulou José Silveira.

Voz das Misericórdias, Ana Cargaleiro de Freitas