Entre autores representados no teto está Baltazar Gomes Figueira, pintor que se destacou no século XVII e que iniciou a escola que seria continuada pela sua filha Josefa de Óbidos, cujo trabalho e talento também pode ser apreciado nesta igreja, onde existem seis telas da sua autoria.
Mas nem só de pintura se faz a beleza deste templo. Nas paredes sobressaem azulejos dos séculos XVII e XVIII. Há ainda a tribuna destinada aos mesários, encimada pelo escudo nacional, da época de D. João V, e o túmulo de D. Luís Ataíde, terceiro conde de Atouguia e, por duas vezes, vice-rei da Índia.
Deixamos a nave principal da igreja. A visita leva-nos agora até à sacristia. É aí que encontramos um arcaz com pinturas que representam as obras de misericórdia. Ao lado, sobressai também a bandeira “representando a Senhora da Misericórdia com o seu manto protetor, protegendo todos, dos mais afortunados aos mais pobres”, explica o provedor Emídio Barradas, que, acompanhado do seu vice-provedor, serve de cicerone.
É, contudo, na sala contígua à sacristia que encontramos uma das peças mais surpreendentes. Referimo-nos a parte de um retábulo flamengo, identificado como pertencendo à designada Escola de Bruxelas e datado do século XV, que apareceu na costa de Peniche na sequência de um naufrágio, ocorrido no final do século XVI.
O episódio é relatado na obra “Le livre des Peintres”, de Carel van Mander, no capítulo dedicado ao pintor holandês Henri Vroom, que seguia no barco naufragado. “Foi preciso que abandonassem o navio durante a noite para se dirigirem num barco a uma ilhota rochosa; Los Barlingos (Berlengas). A corrente levou a carga para um local da costa portuguesa onde se encontrava um convento de frades”, pode ler-se nessa obra citada no documento informativo distribuído aos visitantes da igreja da Misericórdia.
O retábulo ficaria depois à guarda dos religiosos do Convento do Bom Jesus do Abalo, até à extinção das ordens religiosas, sendo então entregue à Misericórdia. “Foi colocado na Capela do Calvário, mas durante muitos anos não se lhe deu o valor. Mais tarde, um mesário alertou para a eventualidade de se tratar de uma peça importante. A investigação viria a confirmá-lo”, conta Emídio Barradas, adiantando que posteriormente o retábulo foi objeto de tratamento e restauro. Um trabalho que não está ainda concluído, pelo que em exposição está apenas uma parte da peça, que já integrou diversas mostras de arte.
“Temos recebido investigadores que veem aqui à procura do retábulo, considerado até à data como o único exemplar da Escola de Bruxelas existente em Portugal”, revela o provedor que chama também a atenção para outra peça emblemática do acervo da instituição: a imagem original de Nossa Senhora da Boa Viagem, padroeira dos pescadores de Peniche.
Emídio Barradas não esconde o orgulho pelo património artístico da irmandade, mas frisa que o mesmo tem subjacente “uma enorme responsabilidade”, que passa pela sua preservação. “Tem havido, ao longo das sucessivas gerações, um grande esforço nesse sentido, que temos a obrigação de continuar. Mas não é fácil”, admite o provedor, revelando que a instituição gostaria de criar um núcleo museológico.
Voz das Misericórdias, Maria Anabela Silva