Com uma comissão científica composta por nomes de referência como Maria Antónia Lopes, Maria Marta Lobo de Araújo, Laurinda Abreu e Miguel Ayres de Campos Tovar, a sessão foi de partilha sobre os desafios de cada arquivo no resgate, catalogação e futura digitalização para que a história das Misericórdias seja um dia tão consultável quanto a história do país e colmate as lacunas que os volumes já publicados desde 1500 não contam.
Maria Antónia Lopes, professora na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, assegura-nos que é nos arquivos das Misericórdias que estão os documentos essenciais para o retrato de grande parte da população e das elites ao longo de cinco séculos. Exemplo disso foi o seu doutoramento, no ano 2000, que começou por ser sobre a pobreza em Coimbra e acabou por ser sobre o arquivo da Misericórdia local. “Onde é que eu encontrei a informação sobre os pobres? No arquivo da Misericórdia de Coimbra, que é riquíssimo, permite todo este trabalho sobre as pessoas que eram a maior parte da população e que não deixaram rasto noutra documentação, que são os pobres”, observou a investigadora.
Mas nem só dos assistidos falam estes arquivos. As análises feitas por provedores, escrivães e mesários fazem o retrato de quem compunha “as elites” da sociedade ao longo dos séculos e até a forma como se foi abrindo a outros quadros sociais, realça a investigadora. Maria Antónia Lopes diz que, “se alguém quer fazer a história de uma cidade, se não for aos arquivos das Misericórdias, há lacunas de informação, de interpretação”, até porque muitas “foram palcos de luta política”.
A professora e investigadora auspicia um futuro produtivo para os que se debruçam sobre registos até então guardados em caixas. “Começou a haver historiadores a dedicar-se aos estudos das Misericórdias. Começaram a alertar para a importância da documentação, como agora também a União das Misericórdias Portuguesas”, destacou.
Miguel Ayres de Campos Tovar, da comissão organizadora e comissão científica deste congresso, assume há cerca de sete meses a descrição arquivística do arquivo da Misericórdia de Ponte de Lima, que culminará com a digitalização a ser feita pelo arquivo municipal.
“Havia um trabalho prévio importantíssimo de valorização do arquivo, a começar pelos trabalhos da Prof. Dra. Marta Lobo, que desde muito cedo valorizou e estudou a fundo este arquivo. Agora, o que está a ser feito é uma descrição sistemática do arquivo e uma disponibilização, precisamente para que ele possa, com maior facilidade e com maior alcance, ser disponibilizado a outros historiadores”, notou.
“Temos aqui material que ilumina a história da relação entre o Minho e o Brasil. Imensos beneméritos, desde o século XVII, que fizeram fortuna no Brasil, foram influentes na colonização brasileira. No século XIX, o brasileiro de torna-viagem é uma figura típica do Minho, um homem endinheirado que regressa, que é benemérito. O arquivo plasma tudo isso, portanto, pode e deve interessar também a investigadores do outro lado do Atlântico”, conclui o investigador.
Ao longo do dia, passaram pelo congresso importantes promotores do arquivo das Misericórdias a nível nacional e local, assim como novos investigadores que estão a fazer uma primeira abordagem exaustiva ao património escrito, onde a catalogação e digitalização deixarão renovada esperança para que a história do país possa contar com mais este testemunho.
Voz das Misericórdias, João Martinho