Após 43 anos encerrada, a igreja da Misericórdia de Salvaterra de Magos reabriu ao culto e ao público. Obras tiveram apoio do FRDL

 A igreja da Santa Casa da Misericórdia de Salvaterra de Magos reabriu ao culto e ao público após 43 anos de abandono, na sequência de cheias excecionalmente violentas, em fevereiro de 1979.  As obras tiveram apoio do Fundo Rainha D. Leonor (FRDL) e foram inauguradas a 17 de setembro.

A chamada “cheia do século” destruiu grande parte da fachada norte e danificou severamente as 37 pinturas do templo, valendo, na altura, o altruísmo da população que conseguiu salvar as magníficas obras de arte que o templo continha no seu interior.

Agora, o processo de conservação e restauro deste edifício de “grande valia histórico-artística” deveu-se ao empenho pessoal do provedor, João José Drummond Sousa, que criou condições para uma intervenção de estudo, conservação e restauro de que foi incumbida a empresa Memoriae Tradere (coordenada pelos técnicos Ana Cunha Correia e Bruno Assis) e que incidiu na talha neoclássica, no ‘stucco’, no púlpito e nos azulejos rococó, no retábulo joséfico, nas 15 telas do teto e nas 16 telas das bandeiras dos Passos da Paixão, que tinham ficado muito deterioradas por efeito das cheias.

“Trata-se de uma intervenção que é merecedora do maior elogio, prova de que existem boas práticas neste setor” considera o historiador Vítor Serrão, que acompanhou de perto todo este processo e para quem a “consciência micro-histórica subjacente aos trabalhos de conservação e restauro e de investigação arquivística foram coroados de sucesso”.

“As telas do teto, e também as bandeiras, são muito interessantes sob o ponto de vista iconográfico dado o uso que fazem de gravuras italianas, flamengas e francesas, mostrando a atualização de gosto dos provedores de então. Trata-se de estampas de Hendrick Goltzius, Maerten van Heemskerck, Cornelis Cort, Johannes Sadeler, Guido Reni (segundo Annibale Carracci), Élie Dubois, Lucas Vorstermann (segundo Van Dyck), e outras. Temos na Misericórdia de Salvaterra, em suma, um acervo muito rico de utilização da melhor gravura europeia do século XVII”, afirmou.

A obra, que se desenrolou ao longo de três anos, permitiu recuperar as talhas e painéis do templo com mais de 400 anos, que se encontravam em avançado estado de degradação e em risco de se perder.

“Nem sempre no campo da recuperação e musealização de bens artísticos, como se sabe, os exemplos são positivos, subordinados uns à pressão mediática, aos equívocos no ‘accrochage’ de espaços ou à demagogia doutrinária – mais uma razão para se aplaudir um caso em que rigor e ética determinam uma intervenção. Estão de parabéns, pois, a Mesa desta Misericórdia, a empresa de conservação e restauro envolvida e a investigação em História da Arte que a complementou. No setor do património artístico do distrito de Santarém, como se vê, existem boas notícias”, transmitiu ao VM o historiador Vítor Serrão.

A empreitada decorreu “com o imprescindível apoio do Fundo Rainha D. Leonor”, que tem como objetivo concluir projetos sociais prioritários e inovadores e, desde 2017, afeta parte do seu orçamento à recuperação do património histórico das Misericórdias, como fez questão de referir João José Drummond Sousa.

“A Misericórdia de Salvaterra de Magos sente-se bem-aventurada com o término das obras, nesta que foi uma jornada mais longa do que o inicialmente previsto, devido às muitas adições de obras e restauro neste património histórico da igreja da Misericórdia de Salvaterra de Magos”, acrescentou, deixando um convite: “Que possamos durante muitos anos desfrutar deste património histórico inserido na vila”.

Estas obras na igreja da Misericórdia de Salvaterra de Magos, além de recuperar as funções de espaço de culto, transformaram o espaço num verdadeiro museu de arte sacra portuguesa dos séculos XVII e XVIII.

A Santa Casa da Misericórdia de Salvaterra de Magos pretende agora abrir a igreja à comunidade, através da realização de cerimónias religiosas, bem como a visitas, que decorrerão por marcação, o que servirá, também, para recolha de fundos para a instituição.

Voz das Misericórdias, Filipe Mendes