Movidas pela fé, milhares de pessoas rumaram ao Sardoal para as celebrações da Semana Santa, uma tradição que resiste ao tempo, unindo moradores e instituições do concelho na recriação de cenários de fé e cultura.

A Semana Santa do Sardoal apresenta as igrejas e capelas enfeitadas com pétalas de flores, ao mesmo tempo que decorrem várias procissões, com a dos Fogaréus, na noite de quinta-feira Santa, a ser a mais participada.

"É um cenário de fé e tradição que reflete a devoção histórica desta comunidade", disse ao VM o presidente da Mesa da Assembleia Geral da Misericórdia do Sardoal, Miguel Borges, classificando como "peças únicas" os tapetes de flores naturais que enfeitam o chão dos templos no concelho.

"Cada templo é decorado por uma equipa, por uma associação ou por um grupo de habitantes que se oferece para o efeito", acrescentou o também presidente do município.

Uma das instituições mais ativas nestas celebrações é, precisamente, a Santa Casa da Misericórdia de Sardoal, onde utentes, colaboradores e membros da Mesa Administrativa se unem para preparar os tapetes de flores que ornam os templos, como foi o caso da Igreja de Santa Maria da Caridade.

As tarefas de ornamentação das igrejas e das capelas envolve cristãos e não cristãos, agnósticos, não praticantes, jovens e gente de todas as idades, num período que une as pessoas do concelho.

“Os valores da fé e da tradição assumem nesta época características que nos diferenciam de outras comunidades porque, muito para além do religioso, são pilares da nossa história, da nossa cultura e são também referências muito fortes na população do concelho”, sendo de destacar, segundo Miguel Borges, “uma altura de partilha, de grande convívio e de reencontro de fé, para quem é crente, mas também reencontro das famílias e dos amigos”.

Envolta em ambiente de algum misticismo, refletido no silêncio da multidão ao longo de todo o percurso, a Procissão do Senhor da Misericórdia (ou Fogaréus), que decorreu na noite de quinta-feira Santa, dia 14, é a manifestação religiosa de maior relevo e impacto pelo grande número de pessoas que nela participam.

Durante esta procissão, a eletricidade da rede pública é desligada nas artérias por onde passa o cortejo, apenas iluminadas pela luz de velas, archotes e candeias.

Centenas de lanternas de vidro acesas são colocadas nas janelas das casas, varandas e sacadas ao longo do percurso e milhares de lamparinas de azeite e cera seguem ao compasso das marchas fúnebres da Filarmónica União Sardoalense.

A Irmandade da Santa Casa da Misericórdia do Sardoal conduz o cortejo envergando capas negras e os seus membros seguram grandes archotes a que chamam, pela sua antiguidade, fogaréus.

Refira-se que nesta procissão podem ser apreciados painéis, datados do século XVIII e pertença da Misericórdia, representando Cenas da Paixão de Cristo. Os painéis originais podem ser vistos na Igreja da Misericórdia, uma vez que, por motivos de preservação, são as réplicas destas obras que integram a procissão.

Depois da Procissão do Senhor da Misericórdia ou Fogaréus, no dia seguinte, sexta-feira, às 19h00, a vila de Sardoal acolheu a Procissão do Enterro do Senhor.

As Irmandades da Vera Cruz e a do Santíssimo Sacramento participam nesta celebração que termina com o Enterro de Cristo, na Igreja Matriz.

Inserida nas celebrações pascais, a população e visitantes da vila foram ainda convidados a ver a exposição "Caminho de Fé", composta por obras propriedade da Santa Casa da Misericórdia de Sardoal, patente no Centro Cultural Gil Vicente.

A mostra apresenta 12 telas, pintura a óleo sobre tela do século XVI e XVII, cujo tema central é o caminho de Jesus Cristo até ao Calvário, a Flagelação, a Coroação de Espinhos, as Bandeiras Reais da Misericórdia de Sardoal, a Cena da Lamentação (Virgem da Piedade), última Ceia e um Calvário.

As bandeiras e os painéis com a Flagelação, a Coroação de Espinhos e da Virgem da Piedade são os originais que saíam na Procissão dos Fogaréus, tendo sido desanexadas dos pendões, perdendo o seu contexto processional aquando da sua conservação.

Voz das Misericórdias, Filipe Mendes