Em 1136, D. Afonso Henriques deu foral a terras de Sena, que o tempo e a oralidade transformaram em Seia, em plena Serra da Estrela, onde a história da nacionalidade se respira em cada pedra. Foi fortaleza na defesa do reino contra Castela e em pleno século XVI, mais precisamente em 1581, ali nasceu a Misericórdia, cuja história se confunde com a da cidade serrana.
Para assinalar as Jornadas Europeias do Património, a Misericórdia de Seia preparou um conjunto de visitas guiadas pela cidade, propondo um passeio à descoberta de símbolos manuelinos na localidade.
“A história da Misericórdia está ligada à história local, estas ações são um serviço público a nível cultural”, refere Rita Saraiva, responsável pela valência do património cultural e espaço museológico da Santa Casa de Seia, que é também a guardiã da história da cidade uma vez que está sob a sua alçada o Centro Interpretativo de Seia.
Ao longo do percurso, entre quelhas, becos e ruelas, foi possível identificar mais de 30 edifícios com elementos manuelinos, que contam a história de uma época e de uma cidade. Neles foi sendo colocada sinalética da autoria do escultor Meireles de Pinto, para assinalar o local e chamar a atenção de quem passa que há ali um motivo manuelino. “Gostávamos de inaugurar uma sinalética definitiva porque esta é provisória e foi feita só para assinalar o dia e sensibilizar as pessoas para os vestígios que podem encontrar”, confessa Rita Saraiva.
O passeio pretendeu olhar para os edifícios e, através de um pequeno elemento, como uma cantaria, conseguir perceber que aquela casa tem uma janela que data dos séculos XVI ou XVII, num período áureo de Portugal, que ficou conhecido pelo período manuelino devido ao reinado de D. Manuel I e aos descobrimentos.
“A arquitetura manuelina está intensamente relacionada com os elementos decorativos que têm a ver com a epopeia das descobertas, tartarugas e vegetação exótica que vinham de outras terras. Como vimos, as cordas, os elementos decorativos que podem estar nas padieiras e ombreiras, o arco contracurvado, o estilo manuelino exprime a riqueza que se vivia naquela altura, uma altura de engrandecimento urbano, arquitetónico e decorativo,” explica Luís Ferreira, arquiteto, professor, colaborador do Centro Interpretativo de Seia e o guia do passeio à descoberta da Seia manuelina.
O circuito proposto pela Misericórdia de Seia começa onde estava concentrada a cidade administrativa e comercial manuelina. A começar pela Misericórdia, hoje biblioteca, passando pelo largo onde se realizavam as feiras medievais, até à rua direita que assim se chamava por ser “a direito” e nela pulsar toda a atividade comercial. É lá que se encontra um dos principais elementos do estilo manuelino, a corda e os nós de corda dados na pedra, “que tem a ver com as naus e as caravelas”, que encimam aquela que terá sido uma casa de um rico comerciante da época. “Enquanto o nobre vive virado para os seus domínios, o burguês está no centro da cidade”, conta Luís Ferreira.
Em Seia, permanece a incerteza quanto ao local onde teria existido uma judiaria, mas, “gravitaria à volta deste local”. Certo é que existe um documento, datado de 1425, que revela que 23 judeus ourives de Seia pediram para se instalarem na cidade da Covilhã, o que equivaleria a uma comunidade, cujos vestígios ainda estão por descobrir, talvez nas próximas jornadas.
Hoje, a casa do rico comerciante, onde além da corda, sobressaem as janelas manuelinas, é onde está instalado o Instituto de Conservação de Natureza e Florestas e a rua Direita, mantendo-se direita, mudou para rua da República, já que a implantação da república aos senenses foi anunciada a partir das varandas dos paços do concelho.
Essas e outras histórias foram desvendadas ao longo da visita-guiada aberta à comunidade a propósito das Jornadas Europeias do Património, efeméride que decorreu entre os dias 26 e 28 de setembro, em diversos pontos do país. Além da visita, foram ainda realizadas visitas com alunos, para dar cumprimento ao tema das jornadas que este ano se comemoraram sob o mote da educação. “Foi um dia aberto às escolas, às gerações futuras, para criar neles um sentimento de pertença e de salvaguarda do nosso património.”
Voz das Misericórdias, Paula Brito