Apesar da pandemia, a Misericórdia de Tentúgal está empenhada em recuperar a sua igreja. As ajudas têm chegado, mas ainda faltam meios.

A igreja da Misericórdia de Tentúgal, no concelho de Montemor-o-Velho, tem um património artístico e monumental ímpar, incluindo um retábulo quinhentista esculpido em pedra (calcário proveniente de Ançã e de Portunhos), que estava a precisar de um restauro urgente, dada a sua iminente ruína. Simultânea à fundação da Santa Casa, por alvará de Filipe I, esta igreja foi classificada como imóvel de interesse público, em janeiro de 1950.

A situação de degradação do templo tem constituído motivo de preocupação para a comunidade local e, especificamente, para a Santa Casa que, ainda recentemente, procedeu à intervenção profunda de restauro do órgão de tubos do Convento de Nossa Senhora da Natividade. Construído no século XVIII e designado pelo escritor José Saramago como “a voz de Tentúgal”, o referido órgão encontra-se atualmente na igreja da Misericórdia, edificada a partir de 1583, por Tomé Velho (de Lamarosa), um discípulo de João de Ruão, da escola escultórica de Coimbra.

Estimulada por uma doação particular de 50 mil euros, destinada a obras na igreja, esta instituição do Baixo Mondego decidiu candidatar-se ao Fundo Rainha Dona Leonor (FRDL), no início do mandato da provedora Maria de Lourdes Santiago, que começou a trabalhar nesse sentido, recorrendo a um estudo de viabilidade económica para avançar com a candidatura ao apoio do FRDL.

Com a intenção de “devolver todo o esplendor a este belo monumento”, a Misericórdia de Tentúgal apresentou um plano de conservação e restauro da sua igreja, cujas obras abrangem o retábulo-mor, o retábulo da nave, a fachada do templo, a torre sineira, o baldaquino (cúpula sustentada por colunas), as imagens e peças de arte sacra, as balaustradas, o corta-vento, o púlpito e a sanefa, bem como o painel de azulejos. “Quando fizemos a candidatura ao FRDL, apresentámos um orçamento elaborado ‘em cima do joelho’, com um valor superior a 280 mil euros, mas o Fundo deu-nos a maior verba daquele ano, no valor de 233.482,69 euros, e ficámos muito felizes”, declara a provedora da Misericórdia de Tentúgal.

No entanto, como esclarece Maria de Lourdes Santiago, “num prédio que foi construído entre os séculos XVI e XVIII, há surpresas que não foram contabilizadas”. Assim, “neste momento, o valor das obras que têm de ser feitas e que, por desconhecimento, não foram contempladas no orçamento, ascende a cerca de 150 mil euros”, afirma a responsável ao VM, dando-nos conta dos trabalhos em curso e das iniciativas já desenvolvidas para angariação das verbas necessárias.

Em 2019, foi colocado no YouTube um “vídeo solidário” (com a colaboração da Aposenior - Universidade Sénior de Coimbra) e também realizada uma campanha de “crowdfunding” visando, especificamente, a recuperação do retábulo quinhentista que se articula segundo um esquema típico dos retábulos maneiristas, com o grupo escultórico representando a Visitação a ocupar o lugar central.

Nessas duas ações de angariação de fundos, a “pequena e pobre” Misericórdia de Tentúgal conseguiu quase 11 mil euros, quantia insuficiente para a conclusão dos trabalhos de conservação e restauro, atendendo sobretudo aos estragos do ciclone tropical Leslie, que atingiu o território continental português em 13 de outubro de 2018.

Já foram recuperadas a fachada e a torre sineira do templo. No interior, o retábulo renascentista foi desmontado, fixado à parede testeira e recolocado. “Os telhados têm de ser revistos e bem isolados. Temos também a parte elétrica, incluindo os quadros e todas as canalizações, que têm de ser substituídas”, nota a provedora, alegando que tais “despesas, no âmbito da construção civil, não foram contempladas no orçamento original”.

Por isso, ao abrigo da Lei do Mecenato, a título filantrópico, a Santa Casa sugere ainda a oportunidade dos incentivos de natureza fiscal, traduzidos na redução de impostos, a quem contribua para a concretização deste seu projeto de salvaguarda do património histórico e cultural.

“Sabemos que as pessoas estão preocupadas com a saúde e com o futuro, mas também entendo que devemos preservar o nosso património”, observa Maria de Lourdes Santiago, considerando-o um “testemunho de fé e de esperança num amanhã promissor, porque também foi construído em época de fome, de peste e de guerra, quando não havia pensões de reforma nem Serviço Nacional de Saúde, nem sindicatos e quando todos tinham de trabalhar para comer”.

Voz das Misericórdias, Vitalino José Santos