A Procissão dos Passos, evento pascal organizado pela última vez em 21 de março de 1953, voltou a realizar-se em Torres Novas este domingo, dia 18. A procissão teve início na Igreja do Carmo e terminou na Praça dos Claras, num percurso pelas ruas do centro histórico acompanhado por centenas de fiéis.
A cerimónia religiosa, que regressou à cidade após um interregno de 65 anos, foi organizada pelas paróquias de Torres Novas e pela Santa Casa da Misericórdia local, contando com o apoio do município e de vários grupos ligados à Igreja Católica.
As ruas ornamentam-se com colchas e alecrim para acolher a passagem da procissão, que simboliza o caminho de sofrimento, crucificação, morte e ressurreição de Cristo. “A Procissão do Senhor Jesus dos Passos tem tradições seculares e faz parte do imaginário coletivo das gentes da região. É uma referência da identidade cultural e do património da cidade”, disse ao Voz das Misericórdias o provedor António José Gouveia da Luz.
Segundo contou, a ideia de recuperar esta tradição surgiu há cerca de dois anos, quando visitou o Museu de Torres Novas, onde se encontra em exposição uma série de fotografias da última procissão que se realizou em 1953. “Fiquei maravilhado com aquela envolvência. Decidi, a partir daí, encetar conversações com o Pároco da cidade e com outras forças vivas do concelho. A ideia foi-se construindo e fortalecendo e, este ano, conseguimos consolidar todos os aspetos logísticos necessários para efetivar este projeto”, referiu.
O provedor realçou a "adesão extraordinária" da população. “Não há memória de uma procissão tão participada em Torres Novas", disse, sublinhando o cuidado investido na preparação das ruas, Cruz dos Passos e montras comerciais, “que ajudaram a criar o ambiente propício a este ritual quaresmal”.
“A enorme participação (catequese, escuteiros de Torres Novas, Chancelaria e Lapas, Associação das Guias de Torres Novas, movimentos paroquiais, Irmandade da Misericórdia) e grande mobilização das gentes locais deram um brilho único à cidade”, afirmou.
Ricardo Madeira, pároco de Torres Novas, reforçou que esta Procissão dos Passos “é o concretizar de uma herança recebida dos nossos antepassados e à qual temos a missão de dar continuidade”.
Segundo explicou, este ato religioso “tem uma dimensão muito concreta”, que é a de aparecer no meio do tempo da Quaresma e “que nos ajuda a preparar a Páscoa, com este olhar numa imagem muito expressiva que nos faz meditar neste momento em que Jesus carrega a Cruz a caminho do Calvário”.
Nas palavras de D. José Traquina, bispo de Santarém, que presidiu à cerimónia, a imagem do Senhor dos Passos é um “símbolo forte” do sofrimento não só de Jesus, mas também do sofrimento humano.
Por essa razão, encontra um eco profundo no coração de todos. “Projeta a dimensão do sofrimento, da dor e da angústia que as pessoas hoje sentem nas suas próprias vidas e que, naquele olhar cansado e doloroso de Cristo, acabam por se identificar”.
“A cruz simboliza todas as adversidades da nossa vida, mas há que levá-la com esperança, sentir que não somos abatidos por ela, mas que dela vem a esperança, o ânimo e a força para a podermos carregar e sabermos, sobretudo, que a cruz não tem a última palavra”, afirmou, durante o Sermão do Encontro.
“Depois dela [Cruz] vem a vida e a vitória e a certeza da presença cuidadosa e atenta de Deus que nos ampara e nos conduz”, prosseguiu, concluindo: “E abre uma luz ao fundo do túnel: o caminho da cruz tem a sua realização plena na vida nova da ressurreição. A realidade chocante e difícil do sofrimento não tem a palavra final nem é inútil. Purifica, redime e conduz à vida”.
“Se há momentos durante o ano em que as obras materiais são solicitadas com maior frequência, nomeadamente a alimentação e o apoio aos mais carenciados, há outros momentos, como a Quadra Pascal, em que somos chamados, por via da missão Cristã que temos, a cuidar do espírito”, afirmou António José Gouveia da Luz, para quem esta cerimónia religiosa serviu também para reafirmar os valores da Misericórdia de Torres Novas e mostrar que a instituição “está viva” e faz parte integrante do tecido social da cidade do Almonda.
A Procissão dos Passos, tradição implantada em Portugal pelos Franciscanos ao longo do século XVI, é uma espécie de repetição do caminho de Jesus, desde o Pretório até ao Calvário.
Trata-se de uma reconstituição das ruas de Jerusalém, uma Via Sacra mais imponente e com forte intensidade dramática, em que o próprio Cristo caminha com os devotos que se mantém hoje como catequese viva e apelo profundo à conversão.
O Senhor dos Passos, levando a cruz às costas, atravessa as ruas, como outrora percorreu as de Jerusalém. No meio do percurso dá-se o Encontro de Jesus com a sua Mãe, a “Senhora das Dores”, um dos momentos centrais desta cerimónia religiosa.
Voz das Misericórdias, Filipe Mendes