Em todo o país, os espaços culturais, igrejas e monumentos das Misericórdias foram encerrados ao público, cumprindo as recomendações das autoridades de saúde. Neste período de confinamento, algumas Misericórdias aproveitam para atualizar os inventários, divulgar as coleções através de plataformas digitais e criar outras formas de interação com o público, através de visitas virtuais, filmes ou fotografias que despertam a curiosidade dos visitantes.
À distância de um clique, é possível conhecer os espaços e as histórias por trás dos acervos, que nalguns casos se cruzam com as memórias locais e das famílias, em cada localidade. Uma oportunidade única aproveitada por algumas instituições para estreitar laços com novos públicos e aprender a utilizar ferramentas adaptadas ao contexto digital.
Em Coimbra, a equipa do museu está a atualizar o inventário das coleções de paramentaria, escultura, pintura, ourivesaria, mobiliário e património funcional, concluído em 2014. Desde meados de março, os historiadores que integram a equipa, Raul Mendes e Pedro Peixoto, produziram mais de 200 fichas de inventário, num universo de três centenas de peças.
“Está a ser muito interessante pelo trabalho de pesquisa que envolve. Num dia sou capaz de fazer uma ficha de uma escultura do século XVII e no outro estou a fazer a ficha de um rádio da década de 1930”, revelou o responsável pela área de património. Para assegurar esta empreitada, em casa, foi necessário fotografar todas as peças, num total de 500 imagens, antes de encerrar oficialmente o museu. Mas isso não significa que não regressem regularmente ao edifício para vigiar o espaço e verificar as condições de segurança do acervo.
Essa é uma das medidas de segurança e preservação recomendadas pelo Gabinete de Património Cultural da União das Misericórdias Portuguesas, neste período de encerramento, para evitar furtos e danos, mais propícios nestas situações. Numa nota que a UMP fez chegar a todas as Misericórdias, o GPC sugeriu alguns procedimentos onde se incluem ainda a instalação de alarmes de intrusão, a vistoria da rede elétrica e de abastecimento de água, o acesso restrito às chaves do imóvel e a colaboração com as forças de segurança públicas.
Apesar das medidas de segurança adicionais, este confinamento obrigatório levou as Misericórdias a reinventar-se, procurando outras fontes de aprendizagem e estratégias de divulgação do seu património. Pela primeira vez, a Misericórdia de Coimbra apostou em visitas virtuais, por ocasião do Dia Internacional dos Monumentos e Sítios, e tem em vista uma série de visitas temáticas presenciais, inspiradas em novas fontes documentais.
Outra tendência deste período de isolamento social é a presença das Misericórdias nas redes sociais através da publicação de fotografias e curiosidades sobre o património e a sua função ao longo da história. Assim aconteceu em Alijó, no distrito de Vila Real, onde as equipas de comunicação e de património se aliaram para criar rúbricas originais, nas redes sociais, que convidam a fazer um “regresso ao passado”. Todas as quartas-feiras, a Misericórdia transmontana publica uma fotografia antiga de um dos seus edifícios e desafia a comunidade a adivinhar a resposta com o mote “Hoje é dia de viajar no tempo”.
Nesta viagem ao passado, já passaram pelo antigo hospital-maternidade, onde nasceram e trabalharam muitos locais, pela antiga creche, que evoca memórias de afetos, e pela capela do Santo António, onde ainda hoje se celebra o culto.
Segundo a responsável pelo gabinete de comunicação, Joana Vieira, esta aposta recente na comunicação digital, através da página de Facebook e, mais recentemente, de Youtube, tem gerado uma interação positiva com a comunidade, sobretudo neste período de isolamento social. “Nesta rúbrica da viagem ao passado, explodem comentários e reações de quem por lá passou, sobretudo de pessoas que passaram pela creche em miúdos ou que tiveram os filhos no nosso hospital, mexe muito com as emoções. É um contacto de proximidade que conseguimos manter com a população e uma forma de tentar assegurar alguma normalidade”.
Esta interação, alavancada nas redes sociais, só tem sido possível graças à organização do arquivo fotográfico da Misericórdia, que se encontrava disperso. “Agora podemos levar este presente a quem nos visita virtualmente”, reconhece satisfeita.
Mais a sul, no distrito de Lisboa, a Misericórdia da Ericeira tem recorrido às redes sociais para comunicar com a população, neste período de crise, e aproveitou a Semana Santa para divulgar um dos seus ex-libris patrimoniais: a coleção de nove pendões ou bandeiras processionais, restauradas recentemente com o apoio do Fundo Rainha Dona Leonor.
Segundo o provedor João Henriques Gil, esta iniciativa resulta do empenho das duas últimas mesas administrativas em “abrir a Misericórdia ao exterior. Por isso, durante a Semana Santa quisemos recordar as celebrações de antigamente e mostrar este património recuperado”.
Estas bandeiras saíam regularmente, até 1875, nas procissões da Semana Santa da Ericeira, integradas no tradicional programa: Procissão dos Fogaréus, na quinta-feira, Enterro do Senhor, na sexta, Queima do Judas, no sábado, e Procissão da Ressurreição, no domingo.
Fotografia: Misericórdia de Alijó
Voz das Misericórdias, Ana Cargaleiro de Freitas