A Misericórdia de Alvorge tem um rancho inclusivo, que faz as delícias dos utentes do centro de atividades ocupacionais.

“Que nunca acabe”. As palavras simples e sinceras de Lúcio dos Santos ilustram bem o entusiasmo dos utentes do centro de atividades ocupacionais (CAO) da Misericórdia de Alvorge, no concelho de Ansião, com o rancho folclórico inclusivo da instituição, criado em 2016.

Sara Tomás, terapeuta ocupacional, conta que a ideia começou a ganhar forma nas brincadeiras preparadas para as festas de Natal da instituição, nas quais havia sempre espaço para momentos de dança. O entusiasmo manifestado pelos utentes do CAO com a atividade era tal que as técnicas acabaram por sugerir à Mesa Administrativa a apresentação de uma candidatura ao Instituto Nacional para a Reabilitação (INR) para a criação de um rancho inclusivo. A proposta teve “todo o apoio” dos órgãos sociais, com a provedora à cabeça, até pela ligação de Maria Luísa Ferreira ao folclore, nomeadamente ao Rancho Típico de Alvorge, que ajudou a fundar.

No INR a proposta foi recebida com o mesmo entusiasmo. O projeto foi aprovado e a estreia do grupo aconteceu há dois anos, durante o Festival Internacional de Folclore de Alvorge, com os utentes do CAO a pisarem o mesmo palco que vários grupos da região e até do estrangeiro. “A alegria deles a dançar é indescritível. Os aplausos e o sentirem-se a fazer o mesmo do que outros é muito positivo para a sua autoestima”, nota a psicóloga Solange Ferreira.

Além da “valorização pessoal”, Sara Tomás realça os benefícios do projeto para o reforço do espírito de grupo. “Ajudam-se muito uns aos outros, seja nos ensaios seja na preparação das atuações”, concretiza a terapeuta, que não tem dúvidas de que esta é uma das atividades que “mais motiva” os utentes do CAO. Para ilustrar o que diz, a técnica conta que os dias que antecedem as saídas para participar nos eventos para que são convidados são sempre vividos com grande entusiasmo pelos dançarinos. “Estão sempre a perguntar quando é a atuação e os ensaios e a que horas saímos.”

“É espetacular, porque gosto muito de dançar”, diz Virgílio Silva, um dos 17 elementos do rancho, que, juntamente com Alexandrina, forma o par que, a cada atuação, vai na frente do grupo, envergando o traje de trabalho que antigamente era usado pelos homens e mulheres que povoavam os campos agrícolas da serra de Sicó. Quando lhe perguntamos do que gosta mais, Virgílio responde sem hesitação: “dos ensaios e de dançar no palco”. Acrescenta, depois, as palmas e a alegria das técnicas quando “não nos enganamos”.

Nos primeiros dois anos de atividade, o Rancho Inclusivo da Misericórdia de Alvorge já marcou presença em várias 'festas de aldeia', não só na freguesia, mas também nas povoações vizinhas. Conta ainda com algumas atuações noutras instituições semelhantes e já tem o seu próprio festival de folclore inclusivo, aberto à comunidade, que leva duas edições realizadas, “sempre com casa cheia”, frisa, com orgulho, Sara Tomás. O primeiro encheu, por completo, o Centro Cultural de Ansião e o segundo, que teve lugar este ano, também lotou o Pavilhão Multiusos de Alvorge.

Pela última edição do festival, passaram quatro grupos constituídos por pessoas com deficiência e incapacidade: a APPACDM de Coimbra com Unidade Funcional de Arganil, a CERCIPOM, a CERCIPENELA e o CAO do Alvorge. A estes grupos, juntou-se o Rancho Infantil de Alvorge. São, diz Sandra Roseira, diretora técnica da estrutura residencial para pessoas idosas da Misericórdia, momentos que servem também para “sensibilizar a comunidade para a inclusão e igualdade de oportunidades”.

O reportório do rancho da Misericórdia de Alvorge é constituído, maioritariamente, por temas do rancho da freguesia e de outros agrupamentos da região, com “coreografias simples adaptadas à realidade” dos utentes do CAO. Em cada atuação não falta a marcha “Ai o Alvorge”, escrita “há 34 anos pela provedora Maria Luísa Ferreira para o racho da freguesia”, conta Sara Tomás, adiantando que no trabalho de pesquisa do reportório têm contado com o apoio de um dos elementos daquele rancho típico, enquanto os trajes foram feitos pela costureira da Misericórdia.

Entretanto, aproxima-se mais uma atuação. Será em julho, por ocasião das festas de Alvorge, onde os utentes do CAO são já uma presença assídua. “São momentos muito especiais para eles. Era bom que nos convidassem mais. Não por nós, técnicas ou órgãos sociais, mas por eles”, desafia Sandra Roseiro.


Voz das Misericóridas, Maria Anabela Silva