Em 2020 o Natal foi atípico. Mas nem por isso menos mágico para os utentes dos centros de atividades ocupacionais das Misericórdias. Nalguns pontos do país, houve jovens e adultos com deficiência e outras patologias a transformar objetos vulgares em peças únicas que aproximam as comunidades onde estão inseridos. Os talentos são díspares e a criatividade não tem limites, fazendo uso de materiais reciclados e provenientes da natureza, como madeira, tecido, plástico e papel.

As rotinas dos centros de atividades ocupacionais (CAO) mudaram desde março, primeiro com o encerramento decretado pelo governo e, a partir de maio, com a reabertura gradual, mediante controlo de lotação, distâncias de segurança e restrições a contactos com o exterior.

A relação de proximidade e interação com as comunidades, que caracteriza a maioria dos CAO que o VM contactou em Albufeira, Cascais, Horta (Faial) e Reguengos de Monsaraz, está agora limitada à presença em mercados e encontros pontuais que assinalam a quadra festiva. Mas nem por isso menos frequente. Adaptando os moldes desta interação, as Misericórdias procuram mostrar-se “presentes”, como sempre estiveram, através de objetos simbólicos que oferecem e distribuem pela comunidade, em iniciativas variadas ao longo de dezembro.

Em Reguengos de Monsaraz, o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência serviu de ponto de partida para o arranque das atividades. A primeira semana do mês foi, por isso, marcada pela entrega de suculentas no comércio local para distribuição pela comunidade, pela oferta de vasos em origami com sementes de flores, pela decoração de montras com presépios em origami e pela criação e venda de colares em lã, da autoria da utente Fernanda Martinez.

Paralelamente, o centro marca presença todas as sextas-feiras no mercado municipal, com uma banca de artesanato, onde é possível encontrar nesta altura do ano o tradicional quebra-nozes, em madeira, colares em tecido e objetos decorativos em origami, entre outros.

O objetivo destes projetos, segundo a diretora técnica do lar residencial e CAO, Helena Calaco, é “manter a proximidade e contacto com a comunidade”, num contexto de restrições e distanciamento físico. “Não podemos tê-los aqui fechados, queremos continuar a trabalhar para a equidade. Reguengos é uma terra pequena, onde nos conhecem e tratam muito bem e nós queremos mostrar que continuamos aqui para não sermos esquecidos”.

As pessoas que se habituaram a ver alguns dos utentes em “atividades socialmente úteis”, na lavandaria, padaria ou biblioteca local, retribuem agora o esforço fazendo encomendas de presépios para decorar as montras dos estabelecimentos comerciais e de outros produtos.

Também em Albufeira os utentes de CAO foram convidados a estar presentes no mercado municipal, a 11 e 12 de dezembro, para expor os seus produtos ao lado de artesãos locais. A oportunidade foi aceite de imediato com “satisfação”, conforme indicou a diretora técnica do Lar Residencial de São Vicente, Susete Ruivo, e a banca esteve repleta de presépios, objetos decorativos, tapetes, cestas e balaios recheados com doçaria regional.

Tudo isto nasce das mãos dos residentes do Lar de São Vicente, que frequentam os ateliês ocupacionais do CAO, dedicados à confeção de artigos com empreita (cestas, balaios, etc), tapetes em tear, pintura, restauro de madeiras, trabalhos em pasta de papel e de moldar.

Este conjunto de atividades visa a capacitação, valorização e aproximação dos utentes à comunidade e para concretizar este último propósito são determinantes estes momentos de encontro, partilha e exposição das peças de artesanato nos mercados locais. “A importância deste tipo de projetos e o impacto na intervenção com os utentes é fundamental, uma vez que lhes dá a oportunidade de verem os trabalhos expostos fora do lar, permitindo a valorização e o reconhecimento das suas capacidades”, justifica a diretora técnica Susete Ruivo.

O Natal é vivido com grande expetativa por estes utentes, pela oportunidade de reencontro com as famílias e pelos contactos com o exterior, que apreciam muito. Vibram com as decorações do lar, anseiam pela festa de Natal e pelos presentes que lhes estão destinados na árvore. Não apenas em Albufeira, como também na Horta, a centenas de quilómetros, no grupo central do Arquipélago dos Açores.

No CAO da Misericórdia da Horta, a diretora técnica Lara Rosa conta que esta é a época mais aguardada do ano. “O Natal é sempre uma época especial para os utentes, são jovens e adultos, mas têm a expectativa do Pai Natal que vai chegar e envolvem-se muito na decoração”. Um mês antes do advento, deram início à criação de um presépio com cerca de 5 metros de comprimento, em que tudo foi criado de raiz, exceto as figuras principais: grutas, montanhas, cabanas, estábulos, castelo e rio com bomba de água. “Este ano, as festividades vão reduzir-se ao CAO, mas não é por isso que vamos deixar de viver bons momentos”, refere.

Confinados, mas não parados, estão também os utentes do Centro de Apoio Social do Pisão, equipamento da Misericórdia de Cascais. No centro de atividades ocupacionais Casa do Sol, a que se vieram juntar em setembro mais três CAO, os residentes descobrem novos talentos, em ateliês de culinária, movimento, carpintaria, tecelagem, arraoiolos, papietagem e trabalhos manuais, de onde saem bailarinas de papel, candeeiros, tapetes e objetos decorativos.

Este ano, na impossibilidade de sair ao exterior, a equipa reinventou-se e criou uma vila de Natal dentro de portas, com workshops, animação com duendes, sessões fotográficas, concurso de decorações de Natal e um marco de correio para enviar cartas a amigos e familiares. O objetivo da iniciativa, segundo a psicóloga Soraia Brito, foi “dar mais cor, mais vida e alegria neste época tão difícil e ano atípico com desafios acrescidos”.

O ano de 2020 trouxe-nos um vírus desconhecido, restrições de contacto e afetos contidos, mas não tirou os sonhos e a esperança a estes jovens e adultos artesãos. Continuam a fazer pedidos ao Pai Natal, a ansiar os reencontros onde se trocam presentes e a celebrar os valores da família e união, como sempre fizeram.

Fotografia: Misericórdia de Albufeira

Voz das Misericórdias, Ana Cargaleiro de Freitas