Utente do Centro de Apoio a Deficientes João Paulo II concretizou o sonho de participar nos Jogos Paralímpicos

O que até há dois anos era uma miragem para Ana Sofia Costa, é hoje um sonho cumprido e uma prova superada, mesmo que os resultados tenham ficado aquém do esperado. Utente do Centro de Apoio a Deficientes João Paulo II, em Fátima, e atleta da seleção nacional de boccia esteve no palco dos sonhos - os Jogos Paralímpicos - e de Tóquio trouxe uma experiência "inesquecível" e ensinamentos que, acredita, a ajudarão em termos desportivos e pessoais.

Foram 24 dias intensos que a atleta partilhou com Celina Lourenço, a sua parceira de competição e auxiliar na instituição que a ajuda nos aspetos mais práticos, dentro e fora de competição, já que Ana Sofia nasceu com uma distrofia neuromuscular que lhe retirou a capacidade de andar.

"Neste caso, um mais um é igual a um. Somos equipa, dentro e fora de campo", diz Celine Lourenço, que considera que a experiência de Tóquio reforçou "ainda mais" os laços que as unem.

Sentadas, lado a lado, no campo de treino da instituição, atleta e parceira vão desfiando as recordações mais marcantes que trouxeram de Tóquio, como o primeiro dia que entraram no recinto de jogos onde decorreu a competição de boccia para a apresentação dos atletas.

"Havia um jogo de luzes e uma música de suspense em fundo, ao mesmo tempo que iam dizendo, um a um, o nome dos 24 atletas. Foi arrepiante. Jamais esquecerei", confessa Ana Sofia.

Marcante foi também a vivência na aldeia olímpica, onde havia apertadas regras de segurança. Celina Lourenço refere, por exemplo, que os autocarros que transportavam as comitivas eram selados à partida e à chegada havia controlo para verificar se o selo não tinha sido violado.

"Saíamos do hotel em grupo e sempre acompanhados por voluntários, um à frente, outro no meio e outro no fim, para garantir que não entrava mais ninguém", acrescenta Celina Lourenço, frisando que, apesar das restrições, tiveram a oportunidade de conhecer "um pouco" a cultura nipónica, através do contato com os voluntários e de algumas iniciativas promovidas com esse objetivo.

É neste momento da conversa que atleta e parceira cruzam os olhares e começam a rir, explicando, de seguida, o motivo da risada: a recordação de quando uns voluntários lhe prometeram que, naquele dia, iriam "dar uma volta". Afinal, o passeio foi apenas à volta da pista de atletismo.

"Os voluntários eram muito rigorosos no cumprimento das regras, mas foram sempre muito acolhedores e até se esforçavam para aprender português. Certo dia, um deles entrou no autocarro a trautear o nosso hino", conta Celina Lourenço.

No álbum de recordações que Ana Sofia e a sua parceira de competição guardam de Tóquio há também lugar para momentos mais amargos, como a derrota no jogo contra o português Avelino Andrade. Foi, admite Celina Lourenço, "o que mais custou", pelo resultado (6-0) e pela convicção de podiam ter feito "bastante melhor".

Também Ana Sofia reconhece que, não só neste jogo como na restante competição, quer individual, onde não ultrapassou a fase de grupos, quer coletiva, os resultados ficaram aquém do desejado. "Não correu como estávamos à espera, mas tirámos lições. Deu para aprender em termos de estratégia e da maneira de pensar o jogo", assume a atleta, considerando que a falta de experiência internacional acabou por condicionar o desempenho.

Essa é também a leitura que faz David Henriques, treinador de Ana Sofia, que ficou em Portugal, acompanhando à distância e "em grande sofrimento" a prestação da dupla do Centro João Paulo II através da internet e dos contatos regulares que faziam.

Para o técnico, a falta de traquejo em grandes provas e de experiência a jogar frente aos melhores do mundo, que Ana Sofia "ainda não acumulou", refletiu-se no desempenho da atleta, que, no seu entender, tinha condições para chegar mais além.

É verdade que tanto Ana Sofia como Celina Lourenço não ficaram satisfeitas com os resultados, mas isso não tirou encanto à experiência que viveram em Tóquio e que ambas descrevem como "inesquecível".

Pegando no seu lema de vida - "lutar sempre, vencer às vezes, desistir nunca" -, Ana Sofia Costa quer aproveitar os ensinamentos que trouxe do Japão para evoluir e tentar garantir um lugar em Paris, onde irão decorrer os próximos Jogos Paralímpicos, em 2024. "Tóquio foi uma lição. É como a frase que li numa prova que fiz em Sevilha: 'Umas vezes ganha-se, outras aprende-se'. Sei que aprendi", afirma.

Já em novembro, Ana Sofia estará em Sevilha para participar no Campeonato da Europa, uma das provas pontuáveis para o ranking mundial que determina o apuramento para os Jogos Paralímpicos. Segue-se o Campeonato do Mundo de 2022, a realizar no Brasil.

"Paris 2024 é o objetivo e só temos três anos, mas acreditamos que a meta é concretizável", diz, confiante, o treinador David Henriques. O otimismo é partilhado por Ana Sofia e por Celina Lourenço, que perseguem agora o sonho de Paris "sem Covid e com público" nas bancadas.

Créditos Foto: CPP/Carlos Matos

Voz das Misericórdias, Maria Anabela Silva