O desporto faz parte da vida de David Henriques "desde sempre". Em criança, jogou hóquei em patins e futebol, modalidades que continuou a praticar na adolescência e juventude. Pelo que, sem surpresa, na hora de fazer as suas escolhas para a universidade, o desporto apareceu como a "única" hipótese possível.

Estava, no entanto, longe de imaginar que os caminhos da vida o levariam para o desporto adaptado, mais concretamente para o boccia, uma "paixão" que descobriu no Centro João Paulo II (CJPII), em Fátima, onde trabalha há 21 anos. É responsável pela evolução de talentos, como Ana Sofia Costa, campeã do mundo da modalidade, e de Samuel Omuruyi, também utente da instituição que, no ano passado, venceu uma medalha de ouro numa prova mundial de tricicleta. Em paralelo com a atividade de professor e treinador, dedica-se à arbitragem de boccia, sendo árbitro internacional.

Natural de Fátima, David Henriques, de 46 anos, começou a ligação ao desporto com seis anos, como jogador de hóquei em patins. "O Centro Desportivo [de Fátima] tinha escalões de formação e eu fui experimentar. Gostei de aprender a patinar e acabei por ficar", conta, revelando que, dois anos depois, mudou-se para o futebol. Seria, no entanto, uma troca temporária, já que acabou por voltar para o hóquei. A determinada altura, começou também a "ajudar nos treinos dos mais pequenos", o que foi despertando em si a vontade de seguir algo relacionado com o desporto.

Entrou no curso de Ensino Básico - Variante de Educação Física, que fez na Escola Superior de Educação e Ciências Sociais de Leiria, com o objetivo de ser professor, mas um desafio que lhe foi feito ainda enquanto estudante pela coordenadora do serviço de fisioterapia do CJPII acabou por lhe mudar o destino.

"A Dra. Lídia [Saramago] convidou-me para colaborar com a instituição, na parte do boccia. Comecei dois dias por semana. Quando terminei o curso, fui dar aulas, mas mantive a colaboração", recorda David Henriques, que lecionou em Santarém e Alcobaça. A determinada altura, propôs ao CJPII ficar a tempo inteiro, com o objetivo de desenvolver o desporto adaptado, numa época em que pouco se falava desta área, mesmo nos cursos de Educação Física. "Só tínhamos uma disciplina semestral relacionada com necessidades educativas especiais. Pensava que me daria ferramentas para aprender a trabalhar com estas pessoas, mas enganei-me. Vir para o CJPII foi como começar um novo curso", assume o professor, que é responsável pelo departamento de desporto da instituição.

A ideia inicial de David Henriques e da direção do centro era a de proporcionar uma atividade física aos utentes e trabalhar com eles algumas capacidades motoras. Mas, com o tempo, a vertente competitiva acabou também por se afirmar e hoje a instituição conta com seis atletas de boccia, um de tricicleta - Samuel Omuruyi, medalha de ouro nos 60 metros dos World Abilitysport International Frame Runner’s Cup 2023 - , e, mais recentemente, um de rugby, Diogo Carmo, que já foi chamado à seleção nacional.

No boccia, o grande destaque é Ana Sofia Costa, campeã do mundo em 2022 e vencedora de várias provas internacionais, que, recentemente, viu confirmada a sua qualificação para os Jogos Paralímpicos Paris 2024, as suas segundas olimpíadas. Em Paris, estará também David Henriques, que integrará as equipas de arbitragem, uma presença que lhe permitirá acompanhar mais de perto a sua atleta. "Em Tóquio sofri, e muito, à distância. Agora, vou poder estar lá", diz o técnico, que, em março deste ano, venceu a categoria de ‘Treinador do Ano’ na primeira Gala do Desporto e da Atividade Física do Concelho de Ourém. "Não trabalhamos para os prémios, mas sim para fazermos o melhor pelos nossos atletas/utentes”, remata.

Voz das Misericórdias, Maria Anabela Silva