O relógio marcava as 11 horas e os idosos esperavam ansiosamente. “Já devia ter chegado”, dizia repetidamente um grupo de mulheres. Depois de quatro anos inativa, a unidade móvel de saúde da Santa Casa da Misericórdia de Torre de Moncorvo regressou à aldeia de Lousa, onde se contam pelos dedos das mãos o número de crianças que ali habitam e onde a média de idades é superior a 60 anos.

Homens e mulheres aguardavam a vinda da enfermeira Joana. Numa carrinha equipada, é possível medir a tensão arterial e a glicemia, pesar, fazer rastreios e até marcar consultas, se assim for preciso, uma vez que a unidade está ligada ao Serviço Nacional de Saúde, através da Unidade Local de Saúde do Nordeste.

O objetivo é dar resposta a uma população isolada e envelhecida, que tem dificuldades em aceder aos cuidados de saúde, não só pela localização, mas também pela falta de recursos.

Depois de alguma espera, chega finalmente a carrinha e, rapidamente, os idosos ali concentrados começam a definir quem é o primeiro. “Eu sou a número um e o meu marido vai a seguir”, dizia Bela Tavares, com 92 anos.

Este é um belo caso para dizer “as aparências iludem”. A cara de poucas rugas, a lucidez e a agilidade não correspondem à idade que tem no cartão de cidadão. “É o ar da aldeia”, comentavam entre risos.

Mas depois de medida a tensão arterial, as preocupações surgiram e vai ter de ir ao médico. Quer isto dizer que, graças à unidade móvel, percebeu que algo não estava bem. Por isso, não tem dúvidas da mais-valia que é o serviço. “Tem muita importância, porque escusamos de ir a Torre de Moncorvo e escusamos de sair da aldeia”, vincou, acrescentando que também é uma forma de se juntarem “todos” e de conviverem.

A freguesia da Lousa tem pouco mais de 300 habitantes. Cada vez são menos, seguindo a tendência das aldeias do interior, e os serviços também encerram, mantendo-se ainda o posto de correios, aberto duas horas por dia.

Por isso, para o presidente da junta de freguesia, a presença da unidade móvel é “extremamente importante”. “As pessoas que vivem cá já têm uma idade avançada e não têm meio para se deslocar e a descentralização destes serviços

é muito importante, porque se os serviços não vierem cá, as pessoas têm dificuldade em aceder a eles”, rematou o autarca António Martins.

Disso também não tem dúvidas Alice Araújo, de 80 anos. “É bom que venham cá e aqui é pertinho, é à porta de casa”, afirmou. No entanto, lamenta que não venha com tanta frequência. “Devia vir mais vezes, porque é bom para nós. Vem cá poucas vezes e, por isso, quando vem temos de aproveitar”, vincou.

Numa aldeia onde muitos idosos estão sem médico de família, por estar de baixa, a unidade móvel de saúde vem assim “minorar” algumas carências da população, de acordo com o provedor da Santa Casa da Misericórdia de Torre de Moncorvo, Fernando Gil.

O projeto já existe há vários anos, mas nunca funcionou de forma contínua. Quando foi eleito provedor, entendeu que devia voltar a pôr a carrinha em andamento, através de protocolos com a Câmara Municipal de Torre de Moncorvo e as juntas de freguesia. E assim foi, mas com a pandemia, o serviço deixou de ser feito, embora Fernando Gil considere que “não devia ter parado”, dada a conjuntura que se vivia.

Entretanto, o município de Torre de Moncorvo decidiu estabelecer novo protocolo, financiando, por mês, com três mil euros. Para já, nesta primeira fase, a visita a cada a aldeia é feita uma vez por mês e, consoante as necessidades dos idosos, pode ser aumentada a frequência do serviço.

A unidade móvel é composta por profissionais de diversas áreas, enfermagem, nutrição, fisioterapia e psicologia. A maioria dos profissionais são funcionários da Misericórdia de Torre de Moncorvo.

Para o provedor Fernando Gil, este projeto é “benéfico” para as populações, uma vez que “vem minorar as suas necessidades”, realçando que este é o papel da instituição. “Para a Misericórdia é o cumprir de uma das suas funções, que é a ajuda aos mais necessitados, isolados e idosos. Para as populações, escusam de se deslocar ao centro de saúde, porque nós estamos ligados à rede do SNS e a enfermeira da unidade faz os registos nesse aplicativo. O médico consegue ver a tensão do doente e os dados clínicos que foram recolhidos na unidade”, explicou.

Para a enfermeira Joana Teixeira a adesão “superou bastante” as expectativas, reconhecendo que esta valência faz falta à população, que esperava “ansiosamente” por esta retoma. “As pessoas estão cada vez mais isoladas e os recursos são cada vez menos, porque o interior está limitado em termos de recursos, nomeadamente na saúde”, sublinhou. Segundo a profissional, as principais queixas dos idosos é a “falta de médicos de família” e o “abandono”, recorrendo à carrinha também para “conversarem um bocadinho” e para se “distraírem”. “Neste regresso estou a notar cada vez mais [confiança], porque eles têm de colmatar essa falha [falta médico de família] e fazem-no connosco”, contou.

Além disso, através desta visita às aldeias é possível identificar problemas de saúde e encaminhá-los para o SNS. “Nós alertamos o médico, que chama o utente para uma consulta”, explicou. Outra mais-valia da unidade móvel é a promoção da literacia para saúde, com esclarecimentos junto dos idosos sobre “quando as pessoas devem ligar para a Saúde 24, recorrer diretamente ao centro de saúde ou ligar para o 112”, frisou a enfermeira Joana Teixeira.

Voz das Misericórdias, Ângela Pais