Ana Sofia e Celina Gameiro, a sua inseparável parceira de equipa, partiram para esta prova com "poucas expectativas". Ainda como resultado da pandemia e dos isolamentos necessários ao bom funcionamento da instituição, não tiveram a preparação desejável, com poucos treinos e sem possibilidade de testar as novas bolas. Os níveis de confiança não eram os melhores, assume o treinador David Henriques, que ficou deste lado do Atlântico a sofrer à distância, acreditando "sempre" que a dupla poderia chegar longe.
À medida que a prova se foi desenrolando, também Ana e Celina começaram a pensar que talvez conseguissem fazer "algo bonito", sem, no entanto, imaginar o quão bonito iria ser. O primeiro jogo, "o mais fácil" em termos desportivos, mas o mais "difícil" do ponto de vista emocional, por causa do "nervosismo", terminou com uma vitória da dupla portuguesa. Perderam o segundo desafio, mas conseguiram seguir em frente na prova e passar à fase de eliminação. Depois, foi só ganhar.
Chegadas ao último jogo, o resultado já quase não importava. "Estar na final era uma grande vitória", alega Ana Sofia. Em Portugal, o treinador sofria em duplo, pela prova em si e por não conseguir acompanhar o desenrolar dos acontecimentos, porque "a internet estava má e não dava para ver a transmissão em condições". O técnico acabou por ter direito a um relato em direto do desempenho das suas pupilas feito pela chefe da delegação portuguesa a quem telefonou, precisamente no momento em que Ana e Celina estavam a terminar o jogo que lhes deu a vitória final.
"Foi uma explosão de alegria incrível", recorda David Henriques. Era o concretizar de um sonho que, intimamente, achava ser possível, embora nunca o tivesse verbalizado. "As últimas palavras que lhes disse, quando nos despedimos, foi para acreditarem nelas e nas suas capacidades", conta o treinador, admitindo que a "confiança" e o "lidar com o insucesso" são áreas que a equipa tem de trabalhar mais.
Ainda a saborear o ouro da vitória, Ana Sofia não esquece quem a tem ajudado a chegar até aqui, a começar pela inseparável parceira, Celina Gameiro, a quem agradece por "toda a disponibilidade e apoio em tudo". "Sem ela, não teria ido tão longe", afirma a atleta, que expressa também gratidão à família, que "sempre" a apoiou e ajudou, e ao treinador, que lhe mostrou a modalidade e a fez "evoluir", bem como aos técnicos e colegas de seleção. Ao Centro João Paulo II, que a acolhe desde os 14 anos, quando a distrofia neuromuscular com que nasceu retirou a sua capacidade de andar, deixa também um sentido agradecimento, por a "ajudar a sonhar e a realizar esses sonhos".
Agora, a hora é de pensar nas próximas competições. Em junho, Ana Sofia Costa, que já depois da Taça do Mundo se sagrou campeã nacional feminina de boccia individual BC3, irá disputar o campeonato nacional absoluto, uma prova que terá um sabor especial para a atleta porque decorrerá em Leiria, concelho onde nasceu, na freguesia de Maceira. Segue-se, de novo, a Taça do Mundo, a realizar na Póvoa do Varzim, cidade talismã para a dupla do Centro João Paulo II que aí conseguiu o apuramento para os Jogos Paralímpicos de Tóquio, realizados no ano passado.
A atleta chega a esta prova da Taça do Mundo já não como uma "ilustre desconhecida", mas com a responsabilidade que representa o terceiro lugar no ranking mundial, ao qual ascendeu depois da vitória no Rio de Janeiro. "É vista agora como um alvo a abater pelos adversários, que já a conhecem melhor e sabem o que a dupla pode fazer. A responsabilidade e a exigência serão maiores, mas elas têm capacidades para tal", afiança David Henriques. Neste momento da conversa, é tempo de recordar o lema que tem orientado Ana Sofia Costa, na vida e no desporto: “Lutar sempre, vencer às vezes, desistir nunca”.
Voz das Misericórdias, Maria Anabela Silva