Em carta aberta, o presidente da UMP apela a um esforço conjunto para atenuar o impacto da Covid-19 nas Misericórdias

“Seria justo que o Estado e a comunicação social relevassem o fantástico papel que vós todos têm desempenhado.” A afirmação é do presidente do Secretariado Nacional da União das Misericórdias Portuguesas (UMP) que, numa carta aberta divulgada a 27 de abril, agradeceu a dirigentes e trabalhadores pelo esforço de contenção do novo coronavírus em estruturas residenciais. “Sem vós a situação seria horrível em termos de óbitos e os números estariam nos níveis dos outros países da União Europeia”.

Segundo Manuel de Lemos, um levantamento realizado em meados de abril junto das Misericórdias apontava para uma taxa de óbitos de 0,2%, enquanto a média de óbitos em lar noutros países da União Europeia “se situa em cerca de metade da capacidade dos utentes”.

Recordando que as Santas Casas acompanham “pessoas quase todas muito frágeis, muitas delas com demência, muitas com deficiência, quase todas com várias doenças crónicas”, o presidente da UMP referiu que “com a pandemia, as autoridades de saúde começaram a exigir que ficássemos com os doentes com Covid-19, como se fossemos uma unidade de saúde ou se de repente o SNS parasse à porta do hospital”.

“Só depois de muita luta, de muita argumentação, de muita evidência” foi possível, junto do governo, assegurar unidades especiais para doentes com Covid-19 e a realização de testes junto de utentes e trabalhadores dos lares. Mas se numa primeira fase o mais urgente é conter a propagação do novo coronavírus em estruturas residenciais, Manuel de Lemos destacou na carta que, “se os especialistas tiverem razão, virá uma segunda ou mesmo uma terceira vaga, que desta vez, não nos pode apanhar desprevenidos”.  Por isso, apelou, a partilha de informação com a UMP é determinante: “a forma séria de vos defender melhor é permitir que o Secretariado Nacional tenha mais e melhores dados”.

A informação sobre o impacto da Covid-19 nas Misericórdias, disse o responsável, é essencial para que a UMP possa assumir, perante o Estado, “uma verdadeira postura de cooperação, para que os responsáveis assumam na plenitude, a responsabilidade de cada um, como uma parte da responsabilidade de todos”.

“Acreditem que estes dados vão ser decisivos para podermos construir o futuro. O futuro, como a UMP tem sustentado há vários anos, não pode ser igual. As comparticipações têm que ser justas, a sustentabilidade apoiada no rigor da gestão natural, o diálogo constante, a parceria total.”

O trabalho de análise dos dados, continuou Manuel de Lemos, vai ser coordenado pelo presidente da Mesa da Assembleia-Geral da UMP, José da Silva Peneda, “uma das maiores personalidades da vida portuguesa” (ver texto na página ao lado).

“Com os dados que obtivermos e com a colaboração de universidades e especialistas, iremos elaborar um conjunto de estudos para dar sustentabilidade e robustez às nossas propostas”, escreveu o presidente, lembrando que a informação também será importante para tranquilizar utentes, familiares e a sociedade em geral. “Infelizmente, o que assistimos nas diárias conferências de imprensa da DGS é salientar o número de mortes em lar, como se os lares fossem um local para condenados à morte”, disse.

A carta do presidente da UMP surge quase 60 dias após a suspensão de visitas nas estruturas residenciais. Durante esse período, as Misericórdias têm vindo a debelar questões como a falta de equipamentos de proteção individual e a diminuição de recursos humanos para apoiar os utentes. Segundo o vice-presidente da UMP, que é responsável pela área do envelhecimento, esta fase de “blindagem dos lares” está a ser possível graças “a um enorme esforço dos trabalhadores” e os números dão nota disso. “É reduzido o número de casos nas Santas Casas”, refere Manuel Caldas de Almeida.

Contudo, afirmou o responsável, “é preciso lembrar que nos lares estão pessoas sem contacto com as suas famílias, a maior parte delas estão aterrorizadas e nós temos de as tranquilizar. Não podemos vir displicentemente para a televisão dizer que 50% das pessoas nos lares vão morrer”. Além disso, há perdas cognitivas, com agravamento da demência, e por isso, importa começar a delinear uma intervenção a médio e longo prazo que “apenas será possível se o país todo estiver comprometido”.

“Há anos que a UMP defende que a problemática dos idosos não é apenas da segurança social, da saúde ou da economia. Num idoso, os problemas são multidisciplinares. E neste momento, mais do que em qualquer outro, é fundamental estarmos todos juntos.”

A vigilância para contenção do novo coronavírus, afirmou Caldas de Almeida, vai durar meses ou anos, mas “não é concebível exigirmos a uma parte da população portuguesa que não veja os seus filhos, ou não estejam com aqueles que amam ou que não façam mínimo de vida social. A curto prazo, importa blindar os lares, a médio prazo, quando pudermos contar com intervenção estruturada e sensata, temos de começar a preparar, com segurança, o regresso à normalidade”.

Voz das Misericórdias, Bethania Pagin