Ruas vazias, espaços comerciais fechados, famílias em casa. O cenário é semelhante em várias localidades do país. No distrito do Porto, e em particular, nos concelhos de Lousada e Felgueiras, epicentro do surto numa fase inicial, os locais descrevem uma cidade-fantasma. Apesar do encerramento de algumas respostas sociais (infantários, centros de dia, etc.) e serviços nos hospitais, dispensa de colaboradores pertencentes a grupos de risco e alteração nas rotinas de funcionamento, as Misericórdias assumem-se como baluartes na defesa das populações, garantindo condições de segurança e bem-estar para utentes e colaboradores.
No âmbito dos planos de contingência, elaborados de acordo com as recomendações da Direção Geral da Saúde (DGS), Organização Mundial de Saúde (OMS), Instituto da Segurança Social (ISS), União das Misericórdias Portuguesas (UMP), as Misericórdias do distrito do Porto estão a adotar novos procedimentos internos, a restringir a circulação de pessoas externas aos serviços e a reforçar medidas de higienização e desinfeção de espaços comuns. Paralelamente, apostam na formação de profissionais e sensibilização de familiares, utentes e comunidade, em notas e vídeos publicados nas redes sociais, prática comum a outras regiões do país.
Em Felgueiras, o administrador do hospital da Misericórdia, Paulo Coelho, destaca o “impacto brutal na vida das pessoas, primeiro sobre os profissionais de saúde da instituição, depois na população que se apercebeu da gravidade da situação e por último nas empresas de calçado, onde o pânico se instalou porque têm grande concentração de pessoas no mesmo espaço”.
Apesar do ambiente de preocupação, os colaboradores unem esforços para ultrapassar este desafio e mostram-se disponíveis para assumir outras funções, caso seja necessário. “Somos todos Santa Casa da Misericórdia e sinto-me orgulhoso deste grupo de trabalho, que tem sido fantástico na disponibilidade. As pessoas estão receosas, mas não abandonam o barco”.
Por precaução, foram criados dois grupos de trabalho, que trabalham em regime rotativo, e os colaboradores com funções administrativas estão a trabalhar em casa. Os salários estão garantidos a todos os profissionais dos serviços encerrados, incluindo os prestadores de serviço, com base na remuneração média dos últimos seis meses. “É uma questão de justiça social, não podemos descartá-los só porque estão em regime de prestação de serviços”.
Em Lousada, o provedor da Misericórdia revela que estão em “serviços mínimos que se reduzem ao essencial [estruturas residenciais, unidade de cuidados continuados]”, com regras e vigilância apertada do estado de saúde de utentes e profissionais, porque apoiam “pessoas muito debilitadas, com doenças crónicas, mais de 80 anos e cerca de 70% de dependentes”. De resto, fecharam o infantário e quase todos os serviços do hospital (bloco operatório, consultas externas, fisioterapia e serviço de atendimento permanente).
Para já, os dirigentes não fazem contas porque estão focados na segurança de utentes e equipas, mas José Berta Machado estima um “impacto financeiro muito grande” nas instituições, sobretudo as que têm estruturas de saúde com serviços fechados. “O grande problema para a instituição é manter os custos de toda a estrutura, parámos as receitas e mantivemos a grande maioria dos custos. Estamos na zona no olho do furacão”.
O Secretariado Regional (SR) da União das Misericórdias Portuguesas (UMP) do Porto está a acompanhar de perto a situação vivida pelas instituições do distrito, assegurando um diálogo permanente, troca de informação atualizada e implementação de medidas concertadas, de acordo com as recomendações das autoridades de saúde. Maria Amélia Ferreira, presidente do SR do Porto, diz que as “Misericórdias estão, de forma tranquila e consciente, a responder a esta situação, a seguir os planos de contingência e a proteger os seus utentes e funcionários. Esta é uma situação com a qual nunca nos confrontámos e que está a assustar todos, mas as instituições estão a utilizar meios de informação credíveis para consciencializar trabalhadores”.
Unidas, as Santas Casas da região manifestam ainda a sua disponibilidade para colaborar no combate à pandemia, oferecendo camas que permitam aliviar a sobrecarga nos hospitais centrais do SNS. “Temos 40 camas disponíveis no hospital da Misericórdia de Felgueiras, que estão paradas, caso seja necessário, para receber doentes com outras patologias, que não estejam infetados. Além disso, vamos disponibilizar o serviço de medicina física e reabilitação como o centro de controlo de potenciais infetados”, adiantou o administrador Paulo Coelho.
Texto: Ana Cargaleiro de Freitas