As organizações da economia social reclamam maior representatividade e participação efetiva no diálogo social e na construção de políticas públicas em Portugal. O apelo foi deixado, a 19 de novembro, no âmbito da convenção ‘A economia social em Portugal - os desafios’, organizada pela Confederação Portuguesa da Economia Social (CPES), em Lisboa.

Durante a sessão de abertura, o presidente da CPES, Manuel de Lemos, retomou uma reivindicação antiga, ainda não concretizada, “de abrir a concertação social aos atores da economia social”, considerando que “seria fator de inclusão e inovação”. Na presença da ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, o presidente da União das Misericórdias Portuguesas (UMP) alertou também para a necessidade de regulamentar a Lei de Bases de Economia Social, aprovada, por unanimidade, pela Assembleia da República há 11 anos, e defendeu a implementação de uma lei de financiamento do setor social, que assegure sustentabilidade e previsibilidade às instituições.

Tomando a palavra, Maria do Rosário Palma Ramalho reconheceu que os desafios que hoje se colocam ao setor decorrem de problemas estruturais no país, como o envelhecimento, baixos salários, situações de pobreza e vulnerabilidade. “Estas organizações têm problemas crónicos de tesouraria, a que se junta a falta de recursos humanos especializados, prática de baixos salários e dificuldade em atrair pessoas”. Segundo a ministra, este “contexto exige reflexão” e também motivou a criação de um grupo de trabalho para avaliar o custo das respostas, que “vai estar na base da renegociação dos acordos para 2025 e na preparação de uma lei de financiamento do setor social, que, de certa forma, dá continuidade à lei de bases”.

Entre os desafios, a ministra destacou ainda a “qualificação dos técnicos e dirigentes das instituições, para caminhar para uma gestão cada vez mais profissionalizada, que diminuirá a prazo os problemas de tesouraria”, anunciando, para este efeito, a criação de um centro protocolar para a formação de técnicos e dirigentes do setor, cujos moldes serão brevemente divulgados.

Numa conferência sobre “os novos desafios do diálogo social”, o presidente do Conselho Económico e Social (CES), Luís Pais Antunes, considerou que “um dos problemas do diálogo social é assentar no mesmo modelo há 50 anos, quando o mundo laboral era mais uniforme”, contrastando com a realidade atual em “que tudo se transforma na vida das pessoas, das empresas e da sociedade”, devido à digitalização e à forma como lidamos com o tempo. Hoje assiste-se a uma “menor representatividade dos atores tradicionais no diálogo social, empregadores, mas sobretudo sindicatos”, constatou, destacando o contributo das organizações de economia social para um “diálogo mais estruturado e mais capaz” e o seu papel no “desenvolvimento de modelos de governação participativa e mais democrática”.

Do país vizinho, Juan Antonio Pedreño, presidente da Social Economy Europe e da Confederación Empresarial Española de la Economía Social (CEPES), revela que “é o conjunto que dá força para estar nos lugares de representação. Espanha é o primeiro país a ter uma estratégia de economia social e hoje a CEPES está em todos os conselhos estratégicos, do trabalho e empresas. Isto é consequência de termos sido capazes de dizer, diante dos políticos, o que fazemos, para que servimos e o compromisso que temos com a sociedade”.

No painel sobre a visão parlamentar da economia social, o reconhecimento do trabalho desenvolvido e a mais-valia das instituições para a coesão, emprego e fixação de pessoas no interior do país foi reforçado pelos deputados Sónia Ramos (PSD) e Eduardo Teixeira (Chega) e por José Lourenço, membro da Comissão para os Assuntos Económicos do PCP.

No final do dia, os representantes das entidades associadas da CPES juntaram-se para refletir sobre os desafios e potenciais soluções em torno da sustentabilidade, defendendo maior previsibilidade no financiamento das instituições.

Para Fernando Amaro, administrador da Associação Mutualista Montepio, o equilíbrio das contas é a base para tudo o resto, mas não se sobrepõe à sustentabilidade social, que se traduz num “trabalho digno que valoriza, capacita as pessoas e que consegue reter talento”. Entre as recomendações que deixou, incluem-se ainda a diversificação de fontes de receita, o desenvolvimento de projetos conjuntos e “saber comunicar uma governança transparente”.

Também presente no painel dedicado à sustentabilidade, José Rabaça, vice-presidente da UMP, afirmou que as instituições em territórios de baixa densidade enfrentam dificuldades acrescidas, que se prendem com maiores distâncias a percorrer e menores comparticipações familiares e ocupação das respostas sociais. Para contornar esses obstáculos, defendeu uma “mudança de mentalidades e partilha de serviços”.

Ideia partilhada por Augusto Flor, presidente da Confederação Portuguesa das Coletividades de Cultura, Recreio e Desporto, que sugeriu um “processo de realimentação da economia social, porque nela existem praticamente todo o tipo de bens e serviços e não faz sentido irmos à procura fora do setor”.

No encerramento, Francisco Silva, diretor-geral da CPES, considerou que a própria confederação “é o exemplo máximo da resiliência, porque sem estrutura nem meios, no meio de todas as intempéries, aguentou, sobreviveu e continua a sua missão”.

Voz das Misericórdias, Ana Cargaleiro de Freitas

Fotografia: Ricardo Bota

 

Proposta
de estatuto
fiscal para
setor social

Permanece por concretizar a criação de um estatuto fiscal do setor social, mas Eduardo Graça, presidente da Cooperativa António Sérgio para a Economia Social (CASES), deixou o compromisso de apoiar, no seio da CASES, a elaboração de uma “proposta de estatuto, a partir de contributos das diversas entidades que integram a CPES”. Para este efeito, recordou os representantes presentes do prazo definido para envio dos contributos: “final do mês de novembro”.

 

Estudo
sobre
CES em
5 países

Num estudo sobre o papel dos conselhos económicos e sociais (CES) na Bélgica, Bulgária, França, Itália e Portugal, publicado em novembro, a investigadora Deolinda Meira e outros autores destacaram a “dimensão de arbitragem do CES português em conflitos laborais e na elaboração de acordos sociais, promovida sobretudo pela comissão permanente de concertação social”. Outra das conclusões foi “a representatividade pouco ampla da sociedade civil no CES e a dificuldade em moldar políticas públicas”.