A economia social está de parabéns. Dez anos depois da escritura pública de constituição da Cooperativa António Sérgio para a Economia Social (CASES), em 2010, somam-se conquistas para um setor que reclama visibilidade e reconhecimento: a primeira Lei de Bases de Economia Social portuguesa (2013); três Contas Satélite (2013, 2016, 2019) e outros estudos; programas de formação e financiamento para as entidades; ações de sensibilização para os jovens e a criação da Confederação Portuguesa de Economia Social (CPES), em 2019. Para assinalar a primeira década de atividade, a equipa da CASES convidou os membros signatários e o público em geral a juntar-se a um vasto programa de comemorações, de 4 a 6 de fevereiro, em Lisboa.
O antigo salão de festas do Conde de Farrobo (1801-1869), hoje conhecido por Teatro Thalia, foi palco de iniciativas destinadas à reflexão, descoberta e participação dos mais novos, que incluíram desde uma exposição documental e espaço de leitura, com publicações sobre o setor, a mesas redondas para apresentação do Inquérito de Economia Social e do programa de microcrédito gerido pela CASES. No primeiro dia de festejos, decorreu ainda a entrega do prémio cooperação e solidariedade António Sérgio, na presença da ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, Ana Mendes Godinho.
Os resultados do inquérito às práticas de gestão das entidades de economia social, realizado pela primeira vez no âmbito do sistema estatístico nacional, serviram de ponto de partida ao debate que marcou o segundo dia de trabalhos (05 de fevereiro). Ainda em tratamento, o estudo feito em parceria com o Instituto Nacional de Estatística (INE) revela para já dados relevantes sobre as estratégias de gestão, modelo organizacional e o perfil dos dirigentes.
Organizados em dois níveis (membros da direção de topo e dirigentes de topo), os responsáveis pela gestão das organizações são, na sua maioria, do sexo masculino (mais de 70%), têm mais de 50 anos, grau académico superior e trabalham em regime de voluntariado, acumulando funções fora da economia social. Os membros da direção de topo das Santas Casas são dos que exercem funções durante mais tempo, 10 a 14 anos, em 30% dos casos.
No que diz respeito à organização da gestão, a maioria das entidades aposta em estratégias de manutenção da atividade (62,1% das Santas Casas) e de desenvolvimento (inclui inovação social, cooperação e parceria com outras entidades), em menor proporção. No caso das Misericórdias com mais de 50 trabalhadores (média e grande dimensão), 14% referem seguir uma estratégia de crescimento e 42,2% apostam em novas práticas de gestão (ver caixa).
A paridade de género foi um dos temas que gerou debate, após a apresentação dos números. Comentando a disparidade entre as direções de topo (masculinas), e as chefias intermédias e restantes funções (femininas), a secretária-geral adjunta da CONFAGRI, Aldina Fernandes, concluiu que “o conservadorismo e idade elevada das direções não facilita a entrada de mulheres. As mulheres trabalham e os homens dirigem, este paradigma ainda persiste”. A distância entre homens e mulheres mantém-se na generalidade das famílias. Para outros dos convidados, o vice-presidente da CNIS e provedor da Misericórdia de Bragança, Eleutério Alves, a faixa etária mais presente nas direções resulta da “dificuldade em encontrar pessoas que renovem os cargos, em particular dos jovens em idade ativa, por não ter remuneração associada”.
Economia social para os jovens
A pensar na necessidade de renovação de gerações, a equipa da CASES direcionou a sessão da tarde (5 de fevereiro) para o público juvenil, no âmbito do projeto “Y.ES – Sim à Economia Social”, convidando jovens adultos que trabalham nas diversas famílias do setor a partilhar o seu testemunho de vida e motivações neste universo de “constelação de esperanças” (Rui Namorado). “Queremos mostrar que o setor existe, está vivo e precisa da dinâmica dos jovens. A vossa voz é necessária e tem de ser ouvida. Esperamos que esta sessão vos sirva de inspiração porque muitos de vocês poderão vir um dia a trabalhar na economia social”, referiu Cátia Cohen, secretária-geral da CASES, no arranque da sessão.
A riqueza e diversidade do setor esteve patente nos projetos apresentados e incluiu desde uma associação de cães de ajuda social (Kokua), a um projeto de voluntariado universitário nas IPSS (CNIS), uma cooperativa de 95 produtores de maçã e pera rocha (Cooperfrutas), um projeto de surf adaptado para pessoas com deficiência (Fenancerci); uma Rede de Ofícios Tradicionais e Arte Criativa (A-MUT - Associação Mutualista de Gondomar), uma incubadora de empreendedorismo social na área do envelhecimento e um projeto desportivo inserido numa comunidade vulnerável do Estoril (Escolinha de Rugby da Galiza - ERG, Misericórdia de Cascais).
Como denominador comum, todos destacaram a importância de “trabalhar com entusiasmo e paixão para chegar a uma solução” (Daiana Ferreira, Kokua) e de “incentivar a experimentação e colaborar para potenciar o impacto” (Maria Lencastre, A-MUT), mesmo quando o ponto de partida é “um campo de alcatrão [início da Escolinha de Rugby da Galiza, em 2006] e a vontade de ajudar miúdos a participar numa modalidade desportiva” (Rómulo Ustá, treinador da ERG).
A curiosidade ficou instalada entre a plateia de jovens (curso profissional de animação do Instituto para o Desenvolvimento Social), convidados a marcar presença no evento. Uma das questões colocada, no fórum de debate online criado para o efeito, teve como ponto de partida o número de organizações que proliferam em Portugal: 71 mil. Ainda há espaço para mais? O presidente da CASES, Eduardo Graça, deu a resposta: “há mais espaço para crescer em qualidade do que em quantidade”, sobretudo no que diz respeito à “criação de sinergias e trabalho conjunto entre as várias famílias. A Confederação Portuguesa de Economia Social é um passo importante a este nível”.
Voz das Misericórdias, Ana Cargaleiro de Freitas