Pedro Santana Lopes, ex-provedor da Santa Casa de Lisboa, fala sobre o Fundo Rainha Dona Leonor.

Cinco anos, 23 milhões de euros, 143 Misericórdias apoiadas. Enquanto um dos grandes impulsionadores do FRDL, como avalia esses números?

A história da ideia do Fundo Rainha Dona Leonor é simples e bonita. Sempre me preocupei com a coesão territorial, como agora se diz. Entre outros exemplos, posso lembrar a criação das orquestras regionais, em que propus às Câmaras do Norte, do Centro, do Alentejo e do Algarve que se juntassem e assumissem 50% dos custos de cada orquestra na respetiva região, suportando a Secretaria de Estado da Cultura os outros 50; a recuperação de cineteatros, as bibliotecas municipais e os arquivos distritais e, grande motivo de orgulho, o Teatro Nacional de São João, no Porto. E, é bom lembrar, enquanto primeiro-ministro, a instalação de várias Secretarias de Estado, nas diferentes regiões do território continental. A ideia de um mecanismo que permitisse ajudar as outras Misericórdias não surgiu, pois, por acaso. Corresponde a uma convicção de que o centralismo e as desigualdades na distribuição dos recursos por todo o território são dos maiores problemas e fatores de atraso no nosso País. Desde que assumi as funções de provedor, Manuel de Lemos falava-me, com frequência, da injustiça que representava a falta de verbas da generalidade das Misericórdias face à situação da Misericórdia de Lisboa. Na verdade, as apostas nos Jogos Sociais são de todo o País e é justo que haja alguma partilha, para além das transferências para muitas áreas da Administração Central que a lei já estabelecia. Um dia, à saída de um casamento em Almeirim, passei à porta do antigo hospital. A Misericórdia local tinha solicitado um apoio para a respetiva reabilitação. Como se sabe, trata-se de um belo edifício onde se pretendia que passassem a funcionar creche, jardim de infância e uma escola do primeiro ciclo. Saí do carro, com a minha mulher, e em conversa surgiu a ideia de a Santa Casa de Lisboa criar um Fundo para apoio a obras das Misericórdias de todo o País. Falei a Manuel de Lemos na ideia de a SCML consignar, todos os anos, uma verba para essa finalidade e de ser gerida em conjunto com a UMP. Claro que concordou, com entusiasmo, e logo fizemos nascer o Fundo. Quando, em 2014, assinámos o acordo que o constituiu, Manuel Lemos, nas palavras que proferiu, destacou o enorme significado do que estava ali a acontecer, dizendo que nada se aproximava, em colaboração entre a Misericórdia de Lisboa e as outras Misericórdias, desde a primeira metade do século XIX.

Em que medida o FRDL fortaleceu a ligação entre a Santa Casa de Lisboa e as restantes Misericórdias de Portugal?

Naturalmente, mudou o modo de todas as Misericórdias se relacionarem com a Santa Casa de Lisboa e com ela partilharem os desafios que enfrentam. E para a SCML foi também um modo de conhecer melhor as dificuldades que enfrentam as suas congéneres no apoio aos que mais precisam.

Passados esses anos, voltaria a patrocinar uma iniciativa como esta? Explique, por favor.

Sem dúvida alguma. Depois de ver os seus frutos, com o trabalho da equipa que dirige o Fundo, desde a primeira hora coordenada pela Inês Dentinho e participada pelo Paulo Moreira, seria ainda com mais alegria e entusiasmo. O Fundo começou comigo e com Manuel de Lemos e quem me sucedeu na Santa Casa, o provedor Edmundo Martinho, deu total continuidade com as inovações que o passar do tempo sempre exige. Lembro-me de vários que “torceram o nariz” à ideia. Mas, depois, como várias vezes já me aconteceu, passaram todos a ser apoiantes da primeira hora. O que importa é que o projeto foi para diante e ajuda muitas e muitas pessoas por todo o Portugal.

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Voz das Misericórdias, edição de outubro de 2020