Os olhos humedecem-lhe assim que tenta falar do que sente por ver a sua casa reerguida das chamas que, em junho do ano passado, varreram grande parte dos concelhos de Pedrógão Grande, Castanheira de Pera e Figueiró dos Vinhos, no distrito de Leiria. A emoção trava-lhe as palavras, mas mesmo assim, Serafim Bernardo não esconde a alegria e a gratidão a “todos” os que o ajudaram a reconstruir a casa e a recomeçar a vida, aos 82 anos.
“Estou muito feliz e agradecido a quem me ajudou”, confessa o idoso, residente na aldeia de Balsa, em Castanheira de Pera, que, no passado dia 24 de março, recebeu uma comitiva da União das Misericórdias Portuguesas (UMP) que visitou algumas das casas já reconstruídas, ao abrigo de uma parceria entre a instituição e a Fundação Calouste Gulbenkian, em articulação com o Fundo Revita.
No total, já foram investidos mais de 1,2 milhões de euros com a reconstrução de habitações e anexos, assim como na aquisição de equipamentos e outros apoios à atividade das famílias. A habitação de Serafim Bernardo foi a primeira a ficar concluída. Agora, só falta mobilar. Quando estiver tudo prontinho quero trazer cá a família toda, que está em Lisboa”, confidencia o morador, enquanto vai mostrando a sua nova casa aos convidados, acompanhado de perto por Carla Pereira e José Figueiras, dois dos elementos da equipa da UMP que tem acompanhado o desenvolvimento dos trabalhos no terreno.
Na bancada da cozinha, que serve de mesa improvisada, Serafim Bernardo dispõe um pequeno beberete com que presenteia os visitantes. Entretanto, abre a janela que dá para um pequeno quintal, onde o cinzento deixado pelo fogo já foi substituído pelo verde da vegetação que vai despontando. Mas, na encosta que se avista ao fundo, é ainda o cinza que domina a paisagem, como que a querer lembrar permanentemente o fatídico dia 19 de junho. Como se fosse possível esquecer. “Por muitos anos que viva, nunca me sairá da cabeça”, diz Fátima David, residente na aldeia de Balinha Fontinha, também no concelho de Castanheira de Pera.
No seu caso, as chamas tentaram tomar-lhe a casa. Não a destruíram totalmente, mas deixaram estragos nas portas, janelas e paredes, danos já recuperados no âmbito das intervenções que a UMP tem vindo a fazer naqueles territórios. “Se não fosse esse apoio, era obrigada a deixar ficar a casa assim. Não tinha possibilidade de fazer as obras. Eu estou reformada e o meu marido de baixa médica”, conta Fátima David, que ainda tem esperança que a casa que herdou dos pais, onde tinha currais com animais, possa também vir a ser recuperada. “Ardeu tudo. Agora, não tenho onde pôr a criação”, diz a moradora, que recebeu também a comitiva das Misericórdias.
Manuel de Lemos, presidente da UMP, explica que esta deslocação ao terreno, na qual participaram provedores que estiveram presentes na reunião do Conselho Nacional que nesse dia reuniu em Pedrógão Grande, pretendeu mostrar aquilo que as Misericórdias já fizeram no apoio à população afetada pelos incêndios de junho. Antes da visita in loco, foi apresentado o relatório do que já foi feito.
“Estou muito satisfeito. As Misericórdias foram muito para além do que lhes era pedido”, afirmou Manuel de Lemos no final daquela reunião. Em declarações aos jornalistas, o dirigente frisou que “todas as casas estão em obra”, mesmo as oito referentes aos processos entregues à UMP em dezembro último.
Das 48 habitações permanentes atribuídas à parceria da UMP com a Fundação Calouste Gulbenkian, estão em fase final de conclusão 22 casas. Segundo Carla Pereira, arquiteta e vogal do Secretariado Nacional da UMP, a finalização das empreitadas deverá acontecer dentro de “dois ou três meses”.
“O objetivo é concluirmos o processo com sucesso, mais do que a celeridade”, frisa a responsável que tem coordenado os trabalhos de reconstrução, sublinhando que processos desta natureza implicam “sempre” alguma burocracia, relacionada com a aprovação de projetos, consulta aos empreiteiros e a seleção de empresas “credíveis”. “Depressa e bem não há quem. Temos consciência que fizemos sempre o nosso melhor, embora não nos prazos que gostaríamos e que as pessoas anseiam”, reconhece Carla Pereira.
Entre as dificuldades encontradas no terreno, a responsável aponta a demora na “consolidação da listagem” das obras que reuniam condições para serem apoiadas. “Houve de tudo um pouco, como uma casa que inicialmente nos tinha sido atribuída, que depois passou para a alçada de uma outra entidade, mas que, entretanto, voltou para nós”, exemplifica, acrescentando que “cada caso é um caso, é uma história diferente, uma família diferente, com problemáticas diferentes”.
As intervenções executadas ou em curso já implicaram um investimento de 1,2 milhões de euros, faltando ainda aplicar “quase 500 mil euros” do montante atribuído à UMP. Segundo Manuel de Lemos, esse meio milhão de euros destina-se a concluir as obras e “o que sobrar” será “naturalmente” para apoiar as vítimas dos incêndios de outubro. Há ainda “muitos bens guardados para equipar as casas” recuperadas e que a UMP irá fazer chegar às famílias.
“É público o quanto se recebeu e o quanto de gastou”, afirma o presidente, adiantando que essas contas estão triplamente auditadas, por auditores da UMP, da Gulbenkian e de uma empresa internacional da especialidade que “se disponibilizou para fazer esse trabalho pro bono”. “Estamos todos muito tranquilos, muito confortáveis”, assegura Manuel de Lemos, que alega que o dinheiro não podia ser gasto “de qualquer maneira só para obedecer à pressão” da opinião pública em ver obra feita no imediato. “Somos um país pobre. Não podemos andar a usar o dinheiro à toa”, nota o dirigente.
No seguimento da sua política de transparência na gestão dos donativos angariados e que lhe foram confiados, a UMP disponibiliza o relatório trimestral de execução, com dados até fevereiro último, que pode ser consultado na plataforma digital “Juntos por todos”.
Voz das Misericórdias, Maria Anabela Silva