Em março de 2019, o jornal Voz das Misericórdias publicou uma peça que é um olhar sobre a participação das mulheres nas organizações do terceiro setor (“Igualdade de Género”, Ana de Freitas), assinalando-a como um dos 17 objetivos da Agenda 2030 do Desenvolvimento Sustentável da ONU. Nas 387 Misericórdias ativas em Portugal que apoiam cerca de 165 mil pessoas e que contam com mais de 45 mil colaboradores diretos, mais de 80% destes são mulheres. Estão na linha da frente no cuidar do setor mais frágil da sociedade portuguesa. E 68 destas Santas Casas são lideradas por mulheres: as Provedoras.
Gostaria de retomar este tópico, mas agora – tempo de Covid-19 – o tópico é o reconhecimento às mulheres das Misericórdias porque, sem elas, ocorreria muito mais rapidamente a exterminação massiva dos nossos mais frágeis, em tempo de desafio pandémico de Covid-19.
Com uma força laboral composta maioritariamente por mulheres, as Misericórdias são femininas. São mulheres, são mães, são mestres na arte de cuidar e de se dar. Diz Tolentino Mendonça sobre a esperança: “É ela que faz andar o Mundo” (Crónica- Expresso, março de 2020). Mas, caríssimo Cardeal, não é a esperança que faz andar o mundo, é a mulher enquanto corporização da esperança da humanidade.
E, quantas de todas elas, tiveram momentos na vida, em que fazendo um balanço, sentiram que ficaram muito aquém dos seus sonhos … Para se dar, para cuidar dos outros.
As mulheres têm forte presença nas organizações da economia social e solidária. O terceiro setor tem vindo a desempenhar um papel importante na criação de oportunidades para as mulheres, sendo a liderança no feminino muito distintiva, apesar da forma desigual das posições de liderança. As mulheres possuem caraterísticas como a generosidade, capacidade de comunicação, liderança participativa e cooperativa, capacidade para negociar e resolver problemas com empatia. Um dos desafios que se coloca às mulheres é a nível da conciliação do trabalho e da família. É neste âmbito que se torna fundamental perceber de que forma a mulher concilia os papéis de mãe e profissional. O cenário parece estar em mudança, pois em 2020, já 68 mulheres são Provedoras nas Misericórdias Portuguesas, demonstrando a sua competência no desempenho da sua cidadania de forma ativa, ganhando espaço e respeito.
No século XXI, muito assente na materialidade, confrontar a Covid-19 obriga a colocar os valores em primeiro plano. E isso é humanidade. Acredito que as mulheres têm uma perceção muito especial da humanidade. Ser mulher traz vantagens adicionais para o cumprimento desta tarefa, onde são necessárias competências da inteligência emocional. As mulheres tendem a ser melhores em média, especialmente ao nível da empatia emocional, ao terem maior facilidade em sentirem o que o outro está a sentir.
Covid-19 é tempo onde as mulheres estão a escrever histórias de amor nas Misericórdias. Sabe-o, quem está no terreno. Nos lares, nas creches, nos centros de dia, na azáfama dos apoios domiciliários, nas cozinhas, nas direções técnicas das respostas sociais, na clínica, no apoio psicológico, na enfermagem, na rede dos cuidados continuados. E nestas funções constroem o legado futuro dos valores da generosidade, altruísmo, dedicação, competência, determinação e resiliência. Elas são as heroínas desta nossa nova história coletiva que irá mudar o nosso olhar sobre as relações humanas, sobre o mundo, sobre a humanidade.
“A coisa mais parecida com os olhos de Deus são os olhos de uma mãe” (Tolentino Mendonça – uma beleza que nos pertence”, 2019). Eu diria … são os olhos das nossas mulheres, das mulheres das nossas Misericórdias! … A elas devemos RECONHECIMENTO.