O provedor da Misericórdia do Porto e presidente do Conselho Fiscal da União das Misericórdias Portuguesas (UMP), António Tavares, escreveu um artigo de opinião na edição de junho do jornal “Voz das Misericórdias” sobre a gestão dos equipamentos anexos da UMP.

Na última assembleia geral ficou claro que existem várias sensibilidades em volta da discussão de qual o papel, no quadro institucional da UMP, das instituições anexas.

Alguns Senhores Provedores começaram por dizer que estávamos perante um debate inquinado à partida. Isto é, um debate cujo resultado seria a constituição de uma fundação. Nada mais incorreto já que a ideia de fundação seria sempre um ponto de partida e não um ponto de chegada.

Aceitei participar nesse debate porque acreditei que existiriam propostas sólidas e alternativas à ideia inicial do Secretariado Nacional.

Tive oportunidade de apresentar uma moção para permitir essa discussão. Acabei por a retirar e, quando o fiz, deixei claro que ainda iríamos ver quem estaria a inquinar o debate e anunciei que entrava em “quarentena”.

Como o tempo é um bom conselheiro, apercebi-me que estavam presentes só cerca de 35% do universo das Misericórdias portuguesas. Entendo, pois, que devo uma explicação a esses amigos ausentes.

Desde já uma declaração de interesses. Nada me move de ambição pessoal ou de qualquer tipo de vantagem pecuniária. Move-me apenas, e só, o interesse das Misericórdias e o seu papel no Portugal do século XXI e, de preferência, nos tempos vindouros.

Vamos a isto!

Desde há muito tempo de discute qual deve ser o papel da União das Misericórdias Portuguesas. Parceiro social? Entidade gestora, na forma de uma grande Misericórdia, de equipamentos sociais?

Do debate em Fátima ficou, pelo menos para mim, uma ideia consensual. Deve ser um parceiro social. Por outro lado, as coisas não podem continuar como estão.

Então o que fazer às instituições anexas que são o resultado, tal como a criação da UMP, de uma conjuntura histórica? Uma ideia de resistência e de salvaguarda institucional quando, no tempo já longínquo de 1975, as mesmas corriam sérios riscos de extinção ou nacionalização.

Se, até ao final da década de 80, o tempo foi de resistir. Se, na década de 90, o tempo foi de afirmação perante as nossas comunidades e o país.

Na primeira década do século XXI, o Estado reconheceu o nosso papel de agente dinamizador das economias locais. Na segunda década começamos a assistir a uma mudança do discurso político, consequência lógica da alteração do quadro partidário.

Neste começo da década de 20 o mundo mudou muito. Não foi só por causa da Covid-19, foi também porque é necessária uma nova geração de políticas sociais, um novo olhar sobre o envelhecimento, um novo papel para a família e uma nova forma de relacionamento institucional.

Ora, isto vai exigir coragem de toda a gente. Vai reclamar iniciativa e risco. Isto é próprio do tempo da incerteza e da dúvida que estamos a viver.

Feito este introito, só possível porque deixamos a paixão e a emoção fora do radar dos interesses, torna-se necessário apresentar propostas concretas para este debate.

Ao Secretariado Nacional foi dado um mandato para atuar como muito bem entender. Assim será sempre possível recuar e avançar. Atrasar e mudar.

Deixo aqui algumas humildes propostas para a participação de todos. No tal debate que se deseja de baixo para cima e que não pode, logo na primeira vaza, ter cartas marcadas.

Assim o que podemos avaliar?

Seis cenários serão possíveis.

O primeiro cenário de criação, no quadro da UMP, de uma estrutura gestora autónoma, que seria eleita, em simultâneo, com o Secretariado Nacional e afastando o presidente de qualquer envolvimento negocial.

Um segundo será a instituição de uma entidade associativa que gira o património das “anexas” em articulação com a UMP.

Um terceiro será a instituição de uma fundação assente no património das “anexas” e gerida por estatutos aprovados por todas as Misericórdias.

Um quarto será entregar, às Misericórdias locais, as “anexas” para as gerirem com evidente prejuízo das restantes Misericórdias que as souberam erguer.

Um quinto será obviamente nada fazer e continuar a deixar andar o atual estado das coisas.

Finalmente, um sexto cenário será criar uma qualquer estrutura jurídica com o mandato ou a concessão de fazer a gestão das “anexas”.

Como se pode ver existem várias alternativas. Todas darão o seu trabalho e envolvimento.

Duas palavras finais. Este é um debate que precisa de um amplo consenso para avançar. Precisa de seriedade intelectual e de rigor argumentativo.

Da minha parte deixo aqui, para memória futura, o meu entendimento sobre esta matéria. Sou dos que acreditam que o carteiro acaba sempre por bater duas vezes e, por isso, vou aproveitar, neste debate, o meu tempo de quarentena.

Leia a edição de junho do Voz das Misericórdias aqui.