"Exmo.(a) Senhor(a)
No quadro do mandato que me foi confiado por V. Exas. e de acordo com várias manifestações de interesse de Provedores de Santas Casas, entendo fundamental dirigir-vos a presente carta a propósito da constituição da Fundação Misericórdia.
Quando o saudoso Dr. Virgílio Lopes decidiu construir em Fátima um equipamento que se veio a designar por Centro de Deficientes Profundos João Paulo II na órbita da UMP, terá contactado o nosso querido Dr. Vítor Melícias sobre como fazer essa ligação. E este, ouvido na época o também saudoso Prof. Sousa Franco, sugeriu a figura das “Instituições Anexas”, relativamente desconhecida no Direito Português, mas que servia os interesses em vista, até porque eram só duas as anexas (Centro João Paulo II e Lar Virgílio Lopes) e de fácil gestão; fácil gestão, desde logo, porque naquela época os salários eram baixos, abundavam as doações e as comparticipações eram adequadas aos custos.
Os anos foram passando e no mandato do Dr. Vítor Melícias foram acrescentadas mais duas anexas: o Centro de Santo Estevão em Viseu e a Academia da Terceira Idade em Lisboa e algumas participadas (entre as quais a Securicórdia). E os Secretariados Nacionais a que presidi, acrescentaram, primeiro a Unidade de Cuidados Continuados Bento XVI e depois o Centro Luís da Silva.
A nossa estratégia ao longo destes 40 anos foi sempre a mesma. Servir as Misericórdias pela via do prestígio de respostas singulares que nos acrescentam valor e colocam num patamar elevado na sociedade.
Mas se esse fim está a ser conseguido, a verdade é que, no plano da gestão estas unidades têm vindo a consumir cada vez mais tempo e atenção aos Secretariados Nacionais e cada vez mais recursos na sede. Estamos a falar de cerca de 500 trabalhadores e de um orçamento anual que anda pelos 14M€. Isto, num período em que a gestão diária e os recursos são completamente diferentes dos das épocas dos nossos queridos Virgílio Lopes e Vítor Melícias, como V. Exas. bem sabem e sofrem todos os dias na pele.
Ora, este aumento continuado de preocupações cai em cima de uma concentração cada vez maior em Lisboa dos serviços do Estado, com o correspondente aumento de trabalho, quer da sede, quer dos membros todos voluntários dos Secretariados Nacionais. Hoje não passa dia nenhum, em que não sejamos convocados para meetings, reuniões com membros do Governo, com atores e agentes políticos, parceiros sociais, etc.
Foi neste quadro, que começamos a pensar que se a estratégia estava certa, talvez estivéssemos a operar com um veiculo que seguramente tinha cumprido o seu papel (do tempo do telefone fixo, e do telex) mas que hoje precisava de uma estrutura diferente e mais moderna; que, sem prescindir dos valores, libertasse o Secretariado Nacional para a urgente tarefa de cada vez mais e melhor apoiar as suas associadas e deixar para outros em quem as Misericórdias confiassem e se revissem, a tarefa de gerir, dinamizar e revitalizar ainda mais os equipamentos e as participações que todos tínhamos criado sob o impulso dos Secretariados Nacionais.
Paralelamente nestes 40 anos também as Fundações evoluíram e se modernizaram muito na senda das instituições das comunidades anglo saxónicas, que há muito a elas recorrem, como as Instituições do designado terceiro setor. E neste contexto reconhecer que uma Fundação permitirá obter ganhos de gestão neste tipo de organizações.
Foi assim que num Secretariado Nacional anterior, resolvemos lançar a ideia da Fundação. Como quem compra um carro mais novo para percorrer o mesmo caminho de sempre. Não a mesma estrada, porque, entretanto, também ela foi substituída por uma auto estrada chamada qualidade, inovação, modernidade. Que acrescenta valor, mas custa sempre mais caro!
Percebemos que ainda era cedo para a ideia fazer caminho e adiamos a ideia para melhores dias!
Mas o tempo, “esse escultor”, como tão bem o definiu Margueritte Yourcenar, continuou a sua marcha inexorável e fui recebendo vários pedidos de ilustríssimos Provedores que instavam o Secretariado Nacional e nomeadamente o seu Presidente, face aos tempos difíceis que vivemos e que vamos viver, a consagrar-se por inteiro às Santas Casas de Misericórdia e sugerindo-me que regressasse à ideia da Fundação. Refleti, ouvi muita gente, que considero avisada e considerei-a como um último serviço de fôlego que vos poderia prestar. Por isso, a coloquei no programa eleitoral que vos submeti! E que V. Exas. sufragaram essa ideia na maior eleição de sempre, com a maior maioria de sempre!
Sejamos, pois, claros! A Fundação não será um expediente para servir ninguém! Será um instrumento para melhor servir as Misericórdias!
Acresce meus caros, que a pandemia veio colocar em cima da mesa uma questão nova. Isto é, se tivéssemos tido o terrível azar de ter tido uma tragédia num dos nossos equipamentos não estaríamos todos mal hoje? Certamente!
Com a Comunicação Social a dizer que a UMP (leia-se, as Misericórdias) não tinha sabido combater a pandemia? Certamente!
Com muitos atores políticos a reclamarem em cima disso, uma rede publica de estruturas residenciais que nos afastasse de cena? Certamente!
Como me disseram alguns provedores “Se a Fundação era uma necessidade, passou a ser uma urgência!”.
E por isso, entenda-se bem, que se a responsabilidade do trabalho e da proposta é minha e da equipa que mandataram para trabalhar comigo, a decisão é vossa!
Dada esta explicação, que considero tão simples como necessária para quem tem a cabeça limpa, vamos então ver as questões mais frequentes que me têm sido legitimamente colocadas:
1. A UMP mandará na Fundação?
Sim! Mas nos termos da lei! De outra forma estaríamos a constituir uma barriga de aluguer que não nos dignificaria, nem o Estado aceitaria.
2. Então como se exprimirá esse mandato?
Pela via da eleição dos membros do Conselho Geral. Na primeira eleição é a Assembleia Geral da UMP que vai eleger “x” membros. E desses “x” membros irão sair o Conselho de Administração, a Comissão Executiva e o Conselho Fiscal, ou seja, os órgãos gestores da Fundação! Ora, se nós não formos capazes de eleger de entre nós “X” membros que assegurem nos próximos anos o espírito desta Fundação muito mal vai o espirito das Misericórdias.
3. E quem serão esses “X” membros?
Os membros a eleger têm duas raízes: uma, a maioria, de atuais Provedores que poderão exercer funções nos Órgãos Sociais da Fundação; e outra residual de atuais Provedores ou ex-Provedores (ou equiparados) de mais idade que pelos extraordinários serviços prestados à UMP entendemos distinguir como Conselheiros Fundadores enquanto estiverem vivos independentemente da sua idade.
4. E quem são nominalmente esses membros?
Primeiro, aprove-se a ideia e depois iremos à especialidade dos Estatutos e dos nomes, desde logo, porque não faz sentido convidar pessoas para algo que não existe, nem se corre qualquer perigo porque sem nomes não há órgãos a funcionar!
Recordo que a Comissão Instaladora que constituímos para além de mim, integra o Presidente do Conselho Fiscal e Provedor da SCM Porto, Dr António Tavares, o Provedor da SCM Pombal Dr. Joaquim Guardado e o Tesoureiro da UMP Dr. José Rabaça.
5. E a ideia é que o Presidente da Fundação seja o Presidente da UMP?
Sim, até ao final deste mandato. Depois as equipas devem ser diferentes precisamente para assegurar que o Presidente da UMP se consagra às Misericórdias e se desvincula da gestão diária da Fundação.
6. E a UMP perde o património?
Não! Desde logo porque são Provedores e personalidades ligadas às Misericórdias quem vai gerir a Fundação; e depois porque os Estatutos têm que prever que em caso de dissolução o património regresse à UMP.
7. Então o que se vai votar?
Vai-se votar formalmente apenas a ideia de constituição da Fundação. Depois mais tarde e sucessivamente apresentar-se-á uma proposta de Estatutos que possa ser validada pelo Governo em termos legais e que seja debatida nos Secretariados Regionais. Só depois, se houver acordo, se votarão os Estatutos e se aprovarão os nomes para o Conselho Geral; ou se não houver acordo se adiará mais uma vez a ideia.
Senhoras Provedoras, Senhores Provedores:
Nos últimos 15 anos tenho gerido com o vosso apoio e as equipas que constitui, os destinos estratégicos da UMP e das Misericórdias no seu conjunto. Com dificuldade, com sacrifício, com total dedicação, mas com sucesso como a presente pandemia ainda agora está a mostrar!
E como é fácil reconhecer, as Misericórdias a sair reforçadas deste drama!
Seria bem mais cómodo deixar passar estes últimos anos e ficar a ver tranquilamente o que aconteceria desejando felicidades aos vindouros!
Mas os que me conhecem sabem que não é essa a minha natureza! Resiliente, com a experiência que o tempo me acrescentou, procuro atuar sempre em defesa deste movimento que abracei, sem estados de alma a favor ou contra ninguém. E por isso, com a ajuda de muitos, mas sob a responsabilidade de quem se comprometeu convosco e mais uma vez cumpriu!
Com toda a estima e amizade!"