O presidente da União das Misericórdias Portuguesas (UMP) alertou para o subfinanciamento da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados ao longo dos anos. Para Manuel de Lemos, em causa está o facto de a Rede ser considerada um “subproduto” em que “não vale verdadeiramente a pena apostar”. A afirmação foi feita durante a 10ª sessão do Simpósio Interações, promovido pela Santa Casa de Lisboa, sob o tema “Continuidade dos cuidados: entre a saúde e o social”. A sessão decorreu online no dia 24 de março.
Para Manuel de Lemos, a Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI) tem um problema de duplo subfinanciamento: no investimento e no funcionamento. Por isso, considera um “exercício fantástico de coragem, dedicação e responsabilidade” as Misericórdias manterem as suas unidades abertas, apesar do “desfinanciamento total”.
Conforme explicou, à data do arranque da Rede, há cerca de dez anos, o valor de comparticipação por metro quadrado das unidades era 650 euros. A unidade mais barata construída pelas Misericórdias, que atualmente são responsáveis por cerca de 52% das unidades de cuidados continuados (UCC), custou cerca de 900 euros por metro quadrado.
Passado este tempo e a propósito do Plano de Recuperação e Resiliência, que contempla, entre outras iniciativas, o aumento da RNCCI, o presidente da UMP afirmou que o valor estimado para a construção de novas unidades é de 680 euros por metro quadrado. “Isto é matar o financiamento à cabeça”. Num quadro de grave carência económica como o atual, poucas serão as instituições com capacidade para endividamento, alertou Manuel de Lemos.
Acresce que o funcionamento da RNCCI também está desajustado ao nível das comparticipações. Tomando como base os resultados das UCC das Misericórdias, Manuel de Lemos referiu que em unidades de média duração o valor diário está 6,6 euros acima do comparticipado, situação que se agrava em unidades de longa duração, onde o equivalente diário está quase 24 euros acima do valor financeiro assumido pelo Estado.
Para Manuel de Lemos, esta desadequação acontece porque “o Estado e o Ministério da Saúde olharam, grande parte do tempo, para a noção de que a Rede é um subproduto do serviço público de saúde e, por isso, não valia verdadeiramente a pena apostar nele”.
Considerando que o setor social e solidário é um parceiro fundamental para o Estado porque se move “fora do direito mercantil, no plano das políticas públicas sociais” e que a pandemia deixou “extremamente evidente” a desarticulação entre Segurança Social e Saúde, o presidente da UMP terminou a sua intervenção com um conjunto de recomendações.
Em primeiro lugar, a “necessidade absoluta de uma plataforma política com ministros e parceiros da cooperação” que possa emitir recomendações e definir novos caminhos a percorrer. Depois, a urgência de constituir a articulação entre parceiros públicos e sociais como “um desígnio político”, contribuindo desta forma para uma mudança de “cultura e postura” na cooperação. Por fim, a criação de gabinetes técnicos, “onde estejam técnicos e também as pessoas que estão no terreno”, que analisem “de forma séria” as questões relacionadas com procedimentos, referenciações, comparticipações etc. “Isso sim é o diálogo de que fala a União Europeia”, concluiu.
A 10ª sessão do Simpósio Interações tinha como objetivo colocar o tema da continuidade dos cuidados numa perspetiva de resposta às novas exigências do paradigma do envelhecimento na comunidade, convocando o testemunho e experiência de organizações da economia social e solidária. Além de Manuel de Lemos, o encontro contou com as participações de Lino Maia, presidente da CNIS, Alfonso Montero, da European Social Network, Hugo Lopes, Universidade Nova de Lisboa e Rita Valadas, presidente da Cáritas Portuguesa. A moderação fico a cargo de Sérgio Cintra e as conclusões com o provedor da Santa Casa de Lisboa, Edmundo Martinho.
Veja a 10ª sessão do Simpósio Interações, subordinada ao tema ‘A Continuidade dos cuidados: entre a saúde e o social’ aqui.
Voz das Misericórdias, Bethania Pagin