A nossa protagonista nasceu em 1962, em Penha Garcia, concelho de Idanha-a-Nova, mas residiu em Medelim, terra vizinha, durante quase toda a infância e juventude. O pai era carteiro e “sempre quis que as filhas estudassem”, matriculando-as num externato em Penamacor para garantir a continuidade dos estudos.
“Tive muita liberdade, os meus pais eram incríveis. De verão, estávamos até às cinco da manhã nos bailaricos, mas sempre nos soubemos comportar. Éramos como irmãos. Todos se protegiam”, recorda. Guarda até hoje a imagem desse grupo de amigos a cantar e a tocar viola à volta da fogueira e as viagens num Fiat 126 em direção às discotecas do Fundão, Covilhã e Tortosendo.
Após o liceu, rumou a Lisboa para tirar o curso de dactilografia e integrou a equipa da UMP, em 1986, sedeada então no Lumiar (Lisboa). “Era um apartamento no 11º andar, onde estava eu a secretariar o Dr. Virgílio Lopes, a D. Emília, nos recursos humanos, e o Dr. Ferreira da Silva, no jornal”, lembra. Desta convivência com o fundador e primeiro presidente da UMP destaca o “bom coração” e a cordialidade no trato. “Podíamos falar abertamente com ele, convivia e almoçava sempre connosco”, recorda.
A dimensão e organização da equipa era distinta da atual, com maior proximidade e partilha de tarefas, sendo “tudo tratado diretamente com o presidente, sem chefias intermédias”. Já estavam então [final da década de 1980] em curso as formações no lar-escola Dr. Virgílio Lopes, onde se instalou a segunda sede da UMP, e iniciavam as obras para a construção do Centro de Apoio a Deficientes João Paulo II, em Fátima.
A inauguração deste equipamento, em 1989, envolveu a mobilização em peso da equipa da sede, que esteve lá a “trabalhar dia e noite, durante 15 dias” e o primeiro natal foi vivido com emoção pelos residentes e trabalhadores. Ainda hoje os olhos brilham ao recordar os “utentes em palco a fazer o presépio com os familiares. As lágrimas caíam-nos pela cara abaixo e o Dr. Vítor Melícias chorava sem parar. Nunca me esqueci da alegria deles”.
Desde então, abriram outros dois centros, em Viseu e Borba, e a casa continuou a crescer, em função das necessidades das Misericórdias e dos progressos tecnológicos, desde as máquinas de escrever aos primeiros computadores “mais preparados para a contabilidade”.
Nas três sedes, Otília Ramos assumiu várias funções, na área administrativa e de apoio à direção, mas também na “organização de congressos e jornadas, recursos humanos, formação e até contabilidade [durante a licença de maternidade de uma colega]”. Pelas suas mãos passaram desde assuntos da gestão diária da UMP a atas de reuniões, onde todos lhe gabam a caligrafia.
Alguns colegas apelidam-na de “enciclopédia da União”, mas destacam, sobretudo, o “espírito de iniciativa, a facilidade de diálogo e o gosto de partilhar”. E não há quem não lhe arranque um sorriso nos corredores. Nesta interação, Otília admite que a lealdade é um dos valores que mais preza.
Hoje integra o Gabinete de Administração e Aprovisionamento e Informática e mantém a jovialidade da “Otiliazinha” [nome carinhoso utilizado por Carlos Dinis da Fonseca] de 23 anos recém-chegada à UMP, a que se junta o pragmatismo e ponderação da experiência. Este percurso de 37 anos valeu-lhe uma medalha de mérito entregue pelo presidente Manuel de Lemos, durante o 14º Congresso Nacional das Misericórdias, em junho de 2023.
Respeitar
as origens
familiares
Otília Ramos tem uma família pequena, mas “muito unida” que se encontra, sempre que pode, em Medelim para estar junto da matriarca, com 89 anos, “que ainda manda em todos” (risos). Os natais nesta aldeia do concelho de Idanha-a-Nova são “mágicos” com a tradicional fogueira na rua (madeiro), a missa do galo e uma árvore de crochê decorada pela população. Não prescinde destes encontros, de viagens para conhecer novos destinos e de aulas de dança para ginasticar o corpo e a mente.
‘O padre
Melícias
casou-me’
1994 é uma data marcante para a protagonista desta história. “O padre Vítor Melícias casou-me, num convento perto da antiga sede [Calçada das Lajes, Lisboa], no dia 17 de dezembro. Dois anos depois nasceu o Gonçalo”, recorda. Da convivência com o segundo presidente da União das Misericórdias Portuguesas guarda o respeito, boa disposição e cordialidade, à semelhança das restantes lideranças. “Quando ficávamos a trabalhar até tarde dava-me boleia até ao Campo Grande, para apanhar o comboio”.
Voz das Misericórdias, Ana Cargaleiro de Freitas