As Misericórdias estiveram reunidas em assembleia geral no dia 10 de dezembro, no Centro João Paulo II, em Fátima, para apreciar e votar o plano de atividades e orçamento da União das Misericórdias Portuguesas (UMP), para 2023, e debater temas essenciais para a sua ação, relacionados com a contratação coletiva, financiamento e cooperação com o Governo. Além das dificuldades financeiras, decorrentes do atual quadro político e económico, a reunião magna ficou marcada pela atualização dos valores praticados na Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados (RNCCI), os aumentos extraordinários anunciados no início de dezembro e a despedida de dois provedores: o histórico José Dias Coimbra (Arganil) e António Mota Rodrigues (Águeda).

“A história das Misericórdias nunca foi de facilidades. Vivemos sempre no desafio permanente entre aquilo que temos para fazer e os recursos que temos disponíveis. É o nosso plano de vida e a nossa maneira de estar. No quadro das dificuldades, a nossa estratégia é ver até onde o Estado é capaz de ir. Não desistiremos e não nos conformaremos. Iremos sempre, com vontade e determinação, lutar, resistir e insistir. Este é o resultado do nosso combate diário e a nossa disponibilidade para continuar a servir as Misericórdias é total”, assumiu Manuel de Lemos, presidente do Secretariado Nacional (SN), após apresentar os resultados das últimas negociações com o executivo.

No balanço feito, destacou, em relação à RNCCI, o aumento de 5,5% para as unidades de média duração e reabilitação e de 15,3% para as unidades de longa duração e manutenção, com efeito retroativo a 1 de janeiro de 2022, contemplando também um montante de 25 euros por dia para situações de úlcera de pressão, em encaminhamentos do hospital ou centros de saúde (portaria n.º 272/2022). “Estamos agora em condições de trabalhar na melhoria das condições de referenciação e na forma como as altas são dadas”, comentou Manuel de Lemos, referindo-se ao grupo de trabalho criado para melhorar o funcionamento da rede e apresentar propostas ao Governo.

Em paralelo, vão funcionar duas comissões destinadas à revisão do Estatuto das IPSS e à definição do custo médio das respostas sociais, que o responsável pelo Secretariado Nacional considera “fundamentais” para melhorar a sustentabilidade e esclarecer aspetos relacionados com a limitação do número de mandatos, a contratação pública e autonomia das instituições.

Sobre estas comissões, o vice-presidente da UMP, Manuel Caldas de Almeida, considerou “fundamental termos custos consensuais dos lares e cuidados continuados”.

Num contexto de imprevisibilidade, “inflação desregulada”, aumentos sucessivos dos combustíveis, gás e bens alimentares, Manuel de Lemos recordou ainda os esforços feitos junto do Governo que permitiram antecipar os valores da comparticipação para o final de 2022 e para 2023, através de uma “proposta mista” que, no seu entender, corresponde a um “novo modelo de financiamento para o setor, que deverá vigorar nos próximos anos”.

O novo acordo vai permitir um reforço de 2,1% nos valores globais da comparticipação para 2022 e para 2023, na generalidade das respostas sociais, estando ainda previsto um apoio extraordinário de 3,5%, para estruturas residenciais e centros de dia. Quanto ao acordo de cooperação para 2023, a adenda prevê uma atualização geral em 5%, que deverá ser paga, em parte, ainda no decorrer de dezembro de 2022.

Comentando a exigência feita pelo executivo, de acompanhar o reforço das verbas com aumentos salariais de 5,1% para os trabalhadores destas instituições, tal como acordado em sede de Concertação Social, Manuel de Lemos revelou-se um “defensor intransigente da autonomia e natureza das Misericórdias” e considerou que “há linhas vermelhas que nunca deverão ser pisadas porque colocam em causa a identidade das Misericórdias”. Reconheceu, contudo, a justeza dos aumentos e admitiu que “o maior exercício de louvor e homenagem que podemos fazer aos trabalhadores é o dinheiro que lhes pagamos ao fim do mês”.

Sobre as portarias de extensão 259/2022 e 260/2022, de 27 e 28 de outubro, alteradas, respetivamente, pelas portarias 270/2022 e 271/2022, 9 de novembro, o responsável do Secretariado Nacional pelas negociações com os sindicatos esclareceu a plateia sobre o processo negocial, que ainda decorre, e o esforço da UMP na defesa dos interesses das Misericórdias. “Se tivéssemos aceitado as propostas dos sindicatos, tínhamos chegado a um acordo com aumentos na ordem dos 300 euros em várias categorias profissionais. A ministra não aguardou pela conclusão das negociações para publicar as portarias”, referiu Miguel Raimundo, que se mostrou disponível para prestar esclarecimentos sobre a matéria. Recorde-se que está disponível um documento com as questões mais frequentes (Informação 30 de novembro) e que foi dinamizado um webinar com provedores e técnicos, a 9 de dezembro.

No decorrer da reunião, representantes de várias Misericórdias manifestaram a sua preocupação com o atual quadro financeiro e a sustentabilidade das instituições, apelando a uma tomada de posição firme junto do executivo.

Em resposta a este pedido, Manuel de Lemos referiu ser “adepto da firmeza, sem espalhafato” na defesa dos interesses das Misericórdias: “Só me importa o resultado final”. Como referiu, na carta enviada aos provedores a 2 de dezembro, os resultados das recentes negociações, sendo “um passo importante no nosso percurso comum, não dispensam que a luta continue reafirmando o Secretariado Nacional que está firme e disponível para ela porque as Mesas Administrativas, os nossos trabalhadores e os nossos utentes o merecem”.

Durante a AG, o presidente do SN fez ainda um balanço positivo do acolhimento de utentes com alta médica dos hospitais e deu conta do pedido de aumento de vagas pelo Governo.

“Pediram-nos mais camas e nós sugerimos utilizar as centenas disponíveis em unidades de cuidados continuados, que estão prontas e aguardam contratualização com as ARS. Devo dizer que a experiência das altas sociais nos tem ajudado a crescer muito”. Segundo dados do Governo, anunciados a 30 de novembro, este programa permitiu libertar até ao momento cerca de 700 vagas nos hospitais.

MOMENTO PARA DESPEDIDAS

“Hoje é a última vez que me dirijo a todos vós na qualidade de provedor”, referiu José Dias Coimbra, numa intervenção que marcou a sua despedida das assembleias da UMP. Num discurso emotivo, o provedor cessante recordou o seu percurso nas Misericórdias, onde foi testemunha de “momentos decisivos” e “defensor acérrimo” dos seus interesses, ao longo de 45 anos. Em nome das Misericórdias, o presidente da mesa da AG, José da Silva Peneda, prestou homenagem a Dias Coimbra pela entrega à causa social, sendo reforçado pelo presidente do Secretariado Regional de Coimbra e provedor da Misericórdia de Pampilhosa da Serra, António Sérgio Martins: “Há homens que lutam uma vida e são indispensáveis”.

O provedor da Misericórdia de Águeda foi outro dos cessantes a despedir-se e a receber uma salva de palmas calorosa dos colegas, na reunião magna de 10 de dezembro. António José Mota Rodrigues tomou posse, em 2019, “com o mesmo espírito de solidariedade, rigor, dedicação, alegria” que marcaram os 20 anos ao serviço da instituição, conforme referiu aquando da tomada de posse. Pedindo uma salva de palmas, a vogal do SN e provedora de Cascais, Isabel Miguens, deixou também a sua homenagem a Mota Rodrigues em nome do coletivo.

 

Voz das Misericórdias, Ana Cargaleiro de Freitas