Voluntários portugueses e espanhóis foram determinantes para a Misericórdia de Vila Nova de Cerveira lidar com a Covid-19 no lar

A Misericórdia de Vila Nova de Cerveira viveu tempos “dramáticos” em janeiro de 2021, na sequência de um surto de infeção por Covid-19, que reduziu o número de funcionários do lar de idosos de 42 para 10. Para cuidar dos 66 utentes infetados, valeu-lhes o apoio da autarquia e da brigada de intervenção rápida da Segurança Social, assim como a mobilização da sociedade civil, num total de mais de 20 voluntários dos dois lados da fronteira.

“Foi dramática a escassez de recursos humanos, 80% dos colaboradores foram para casa infetados. Um verdadeiro cenário de guerra. Acionámos as brigadas de intervenção rápida, que de imediato se disponibilizaram, acionámos o plano municipal de proteção civil e lançámos um apelo ao voluntariado, que foi bem correspondido, com enorme adesão de vários pontos de país e até de Espanha”, recorda o provedor Rui Alberto da Cruz.

A mobilização de voluntários, em tempo recorde, surgiu em resposta ao apelo transfronteiriço lançado pela autarquia e Santa Casa em meados de janeiro. Num comunicado conjunto, as duas instituições referem que a ajuda foi acionada através da Eurocidade Cerveira-Tomiño (Galiza), na sequência de uma reunião de "emergência da comissão municipal de proteção civil, perante a situação de calamidade de saúde pública que se vive no lar Maria Luísa”.

Cristina Oliveira, 45 anos, chegou ao Lar Maria Luísa, em finais de janeiro, para ajudar em todas as tarefas necessárias, desde higiene pessoal a alimentação. Em meios pequenos, as notícias correm depressa e por isso, antes de ver o apelo nas redes sociais, Cristina já sabia que a Misericórdia de Vila Nova de Cerveira precisava de um reforço urgente de recursos humanos.

“Vivo relativamente perto e todos estavam a par da situação. Conhecia a instituição porque os meus avós tinham estado no lar e achei que tinha as condições reunidas para ajudar sem colocar ninguém em risco, alguém tinha de o fazer”, declarou ao VM, quase um mês depois.

O dia de trabalho começava por volta das 7h30, com a higiene pessoal dos utentes, “um trabalho duro e pesado”, repartido por poucas colegas.  A exigência física da tarefa era agravada pelo uso de várias camadas de materiais de proteção. “Batas, luvas, viseiras que nos limitavam os movimentos e chegar às pessoas”, recorda.

A adaptação foi brusca e imediata. Não havia tempo para pensar. “Só deu para chegar e trabalhar, sabia que as pessoas precisavam de mim”. Depois de asseguradas as necessidades básicas sobrava pouco tempo para a interação com os idosos. Mas pelo olhar, conseguia identificar a tristeza e desânimo sentido por muitos. “O que mais me afligia era saber que não havia pessoal suficiente para limpar e dar as refeições”, confessa. Apesar da exigência física e emocional, não se arrepende da decisão tomada. “Foi muito duro, mas também muito gratificante. Os meus avós iam ficar muito felizes por saber que ajudei”.

A ajuda chegou também do outro lado da fronteira, Tomiño, localidade vizinha a poucos quilómetros de distância. Em poucos dias, a voz melodiosa de Maria Pilar Lorenzo cativou os idosos, que a passaram a tratar carinhosamente por “galeguita”. “Apesar de toda a indumentária, reconheciam-me pela fala. Brincavam e diziam: quem diria que uma espanhola ia cuidar de mim. Estavam muito agradecidos”, conta a voluntária de 33 anos, que considera Vila Nova de Cerveira uma “segunda casa, é como se estivéssemos todos do mesmo lado”.

No início de fevereiro, o regresso de alguns membros da equipa trouxe também alguma normalidade. “O clima de guerra” dava lugar a um sentimento de esperança e foi por essa altura que Sara Lopes, 29 anos, chegou ao Lar Maria Luísa. “Quando cheguei, o piso estava todo isolado e ainda havia muitos casos, mas os idosos já estavam a melhorar, já não apanhei a fase tão crítica. Houve tempo para mostrar as instalações e apresentar o pessoal, o acolhimento foi impecável”, descreve a jovem de Vila Nova de Cerveira, a residir no Porto.

Apesar do medo inicial, Sara socorreu-se do exemplo dos mais experientes, com quem partilhou desafios e conquistas diárias. “Ver a progressão do estado de saúde dos idosos e sentir aquele clima de colaboração, coesão e altruísmo entre todos dava-nos uma sensação de paz incrível, foi uma experiência valiosa e transformadora”, relata com fulgor.

As palavras não chegam para traduzir o turbilhão de emoções que sentiu durante aquelas duas semanas, mas ajudam a compreender a intensidade de uma experiência desta natureza. Já tinha feito voluntariado noutras ocasiões, mas nunca de forma “tão presente e intensa como esta. Não tinha noção desta realidade, é preciso muito amor, vocação, generosidade e empatia para fazer este trabalho”. No final, levou um coração bordado pelos idosos, a admiração e a certeza de que não esquecerá todos os que se cruzaram no seu caminho.

Quando falámos com o provedor, em meados de fevereiro, a Santa Casa aguardava a data oficial de recuperação definitiva. A notícia tornou-se pública a 22 de fevereiro, num comunicado da autarquia. “Já podemos respirar de alívio”, anuiu Rui Alberto da Cruz.

Voz das Misericórdias, Ana Cargaleiro de Freitas