Misericórdia de Aldeia Galega da Merceana recebe jovens de diversos países do mundo. Com idades entre os 20 e 26 anos, os voluntários já têm lugar cativo na vida dos utentes.

Mariana, Wioletta, Melissa, Ilker, Victor, Manon e Alejo são nomes familiares (mesmo que difíceis de pronunciar) para os utentes da Misericórdia de Aldeia Galega da Merceana. Jovens, estrangeiros e em fase de transição escolar ou profissional são voluntários mas, sobretudo, netos, amigos ou vizinhos. Chegaram há poucos meses à instituição, no âmbito de programas de voluntariado internacional (Serviço Voluntário Europeu e projeto ATIVA da AIESEC) mas já têm lugar cativo na vida destas pessoas.

Podem não partilhar a mesma língua materna ou referências culturais, mas quebram o silêncio com apenas um sorriso. “Há formas mais sentidas e eficazes de comunicar além das palavras. Os utentes precisam de ocupação e é bom contactar com outras realidades”, justifica a provedora e responsável da União das Misericórdias pela área do voluntariado, Carla Pereira.

“Só o facto de estarmos lá faz a diferença”, corrobora a estudante brasileira de 20 anos, Mariana Gago. “No início eu olhava para as pessoas, passava e sorria e as pessoas agradeciam. Dava-me vontade de chorar porque via que havia uma carência muito grande”, acrescenta.

Quando chegaram a este recanto da região oeste, em outubro de 2017 (e nalguns casos em janeiro de 2018), a primeira impressão foi positiva, apesar da distância à capital. Gostaram das pessoas – “muito abertas e calorosas”, do bom tempo – “aqui têm sol todos os dias”, e da comida (doces, frutas e “peixe quase todos os dias”). 
No início foi difícil habituarem-se às rotinas e isolamento do meio rural mas rapidamente se enamoraram das vinhas, colinas e arvoredos dispersos que marcam a paisagem. “O lugar é muito bonito, gosto de ir correr nos campos”, conta o argentino Alejo Amadeo, 26 anos. 

Os “abuelos” (avós em espanhol), como lhes chama, parecem muito frágeis no primeiro contacto mas com o tempo, e observação atenta, os voluntários percebem qual a melhor forma de ajudar nas deslocações ou no momento das refeições. 
“Percebo que ele não gosta da comida ou não quer comer quando grita”, explica Ilker Dilibal, que todos tratam carinhosamente por Igor. De rosto imperturbável, o jovem turco de 25 anos mantém a calma perante os protestos de um utente mais dependente que recusa comer. “Sobremesa, esta é a parte boa”, comenta a colega Mariana Gago, a dois passos de distância. 

Salvos raras exceções, como a dos jovens brasileiros ou argentino, a barreira linguística é um desafio diário ultrapassado com a ajuda dos técnicos, aulas semanais de português e muita criatividade. “Preciso de encontrar outras formas de chamar a atenção mas para os idosos é importante a nossa presença. É tão bom chegar, dizer ‘bom dia’ e as pessoas conhecerem a minha cara como se fizesse parte da família”, conta a polaca de 22 anos, Wioletta Turek. 

Habituada a temperaturas negativas e dias cinzentos, a rapariga de tez pálida aproveita todos os minutos de pausa para espreguiçar ao sol. “Vocês não têm inverno, come on…Aqui nunca poderia estar deprimida, a comida é ótima, o sol dá-me muita energia. É o paraíso…”.

Quando a memória a atraiçoa na hora de pronunciar alguma palavra, esboça um sorriso, diz “sim, sim, claro” e “reza para que não seja uma pergunta” (risos). “Não é suposto ter medo da língua mas todos os dias tenho medo que me perguntem alguma coisa e eu não saiba responder”, desabafa. 

Por via das palavras, alguns voluntários têm a possibilidade de aceder ao manancial de conhecimentos e histórias conservadas na memória dos anciãos. “Essa é a grande vantagem. As vidas deles são autênticos livros”, valoriza Vítor Bonifácio, 22 anos.

Mas melhor que dominar a língua de Camões, é saber jogar dominó. Substitui um tradutor automático e garante animação pela tarde dentro. A perícia dos seniores é tal que alguns voluntários sugerem que se organize um campeonato com direito a prémios.

As caras novas e a promessa da juventude eterna acalmam a solidão dos utentes que se veem confinados a quatros paredes. “Eles animam a malta, ajudam muito. Nós não sabemos falar línguas estrangeiras mas eles percebem-nos e gostam de nós”, comenta Manuel Pereira, 84 anos, enquanto sorri para Wioletta Turek, o par habitual no dominó. 

“Numa instituição, por mais carinho que se dê, há sempre uma grande necessidade de afeto e de coisas tão simples como abraços, beijos, mãos dadas. E eles dão isso tudo e muito mais”, valoriza a diretora técnica do lar de idosos, Diana Costa. 
Nos tempos livres, Mariana, Wioletta, Melissa, Ilker, Victor, Manon e Alejo aproveitam para rumar à capital e outras cidades europeias como Porto, Paris e Barcelona. Nos planos está também uma ida às praias de Santa Cruz, conhecidas pelos extensos areais e mar revolto.

As lições que guardam desta experiência são suficientes para escrever um livro (com um final feliz) mas há quem se adiante num prefácio: “A vida é só uma e vou aproveitar para fazer o que gosto, voltar a estudar línguas e escrever. Esta experiência vai-me levar para algum lado”, partilha Vítor Bonifácio. “Aprendemos a valorizar a família”, acrescenta Mariana Gago.

Na despedida levam a ‘saudade’ no dicionário, os telemóveis pejados de fotografias e uma vontade imensa de regressar ao abraço dos “avós” portugueses. “Gostava que ficassem mais tempo?”, perguntamos a Zulmira, utente de lar. “Gostava que ficassem para sempre”.

Voz das Misericórdias, Ana Cargaleiro de Freitas